Com o aumento exponencial da população e os efeitos da mudança climática, reciclar resíduos plásticos em larga escala a um custo competitivo e produzir combustíveis sem adicionar mais carbono na atmosfera, são necessidades urgentes. Com foco em sustentabilidade, eles requerem investimentos em inovação. Nesse sentido, empresas instaladas no Brasil estão buscando soluções, em parceria com universidades e o Instituto SENAI de Inovação (ISI) em Biossintéticos e Fibras. Os trabalhos em desenvolvimento abrem caminho para alavancar a bioeconomia no Brasil.
Ainda no ano passado, começou a ser desenvolvido um projeto para reciclagem de plástico com a Braskem, a Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC S.A.), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o ISI, a partir do Edital de Inovação para a Indústria, organizado pelo SENAI.
O desafio de como transformar a reciclagem do plástico em algo rentável vem desde a década de 1970, lembra Cristiano Sá Brito Cardoso, pesquisador em Petrochemicals Development da Braskem, em entrevista ao InforMEI. Mais recentemente, projetos desse tipo foram impulsionados mundo afora, entre outras razões, por questões relacionadas à análise do ciclo de vida (ACV) de produtos e materiais. Mas ainda existem dificuldades para o uso das tecnologias em grande escala. Segundo ele, há também o entendimento de que o destino do plástico é um problema complexo para uma só empresa resolver. Essa complexidade requer um trabalho multidimensional, com a junção de conhecimentos complementares. Por isso, o projeto une diferentes competências. “O Laboratório de Engenharia de Polímeros da COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EngePol/COPPE/UFRJ), é o principal responsável pelos experimentos, a FCC, pelo desenvolvimento dos catalisadores, o ISI em Biossintéticos e Fibras, pelo conceito da unidade de reciclagem química para a produção em maior escala, e a Braskem, por agregar seu know-how em processos de engenharia e plástico”, resume Cardoso.
O EngePol/COPPE/UFRJ agrega ao projeto o domínio em segmentos de manufatura de polímeros sustentáveis, reciclagem química e estratégias circulares de produção na cadeia dos plásticos. “Nesse contexto, um dos objetivos ao participar do projeto é o de viabilizar a instalação de uma unidade de demonstração que possa reciclar o resíduo plástico gerado na Ilha do Fundão, incluindo aquele que chega às praias por intermédio da Baía de Guanabara”, explica José Carlos Costa da Silva Pinto, professor da COPPE/UFRJ.
A FCC é a única fabricante de catalisadores para refino de petróleo no hemisfério sul. Um dos principais desafios dessa rota de reciclagem química de plásticos é desenvolver os catalisadores, pois cabe a eles dar competitividade à transformação dos resíduos plásticos encontrados no lixo urbano em matérias-primas renováveis, especialmente em nafta – derivado do petróleo – e outros produtos de alto valor agregado, que retornarão ao processo de produção de plástico na Braskem. Daí o conceito de economia circular aplicado ao projeto. “Estamos atuando no desenvolvimento de catalisadores inovadores e no estabelecimento das condições operacionais ideais para o novo processo de reciclagem química de plásticos”, destaca Cid Carvalho, diretor da empresa. O coordenador de novos negócios na FCC, Sidney Martins, complementa: “Existem dois desenvolvimentos paralelos nesse projeto: um é o do próprio catalisador, o outro é do processo que vai utilizar o catalisador. Nesse projeto, tudo está sendo visto ao mesmo tempo. Quando você coloca quem entende de catálise junto com quem entende do processo, tudo flui melhor”, explica Martins.
Por isso, segundo a FCC, a parceria entre as quatro instituições tem mostrado vantagens. A cooperação diminui, por exemplo, o risco tecnológico e financeiro do projeto, além de trazer mais celeridade ao desenvolvimento – como no caso da articulação entre o SENAI CETIQT e a UFRJ, em que o primeiro cedeu um equipamento à segunda em regime de comodato, em um processo rápido que evitou atrasos na pesquisa. Outro aspecto positivo, destaca Cid Carvalho, é reforçar a possibilidade de as empresas entregarem produtos para um mundo melhor. “Quando a gente fala em economia circular, a gente está falando é disso”, aponta Carvalho.
Tendo como foco a transição energética, um outro projeto inovador na área de sustentabilidade está sendo desenvolvido pelo ISI em Biossintéticos e Fibras, a Universidade de São Paulo (USP) e as empresas Repsol Sinopec Brasil (RSB) e Hytron – Energia e Gases Industriais. Trata-se do CO2CHEM, que também conta com o Instituto Fraunhofer (IKTS – Institute for Ceramic Technologies and Systems) em algumas das etapas. O objetivo é desenvolver rotas tecnológicas de utilização de CO2 para produção sustentável de hidrocarbonetos verdes – compostos químicos produzidos por meio de processos industriais que não emitem, ou não acrescentam, gases de efeito estufa à atmosfera.
O projeto faz parte das ações da Repsol Sinopec contra as mudanças climáticas e está alinhado às diretrizes de sustentabilidade do Grupo Repsol, que possui a meta de zero emissões líquidas até 2050. A aproximação com o ISI começou em 2018, mas somente a partir de um workshop organizado pela RSB em 2020, juntamente com o Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), da USP, foi possível avançar na construção do projeto, agora com a participação do RCGI/USP. O CO2CHEM teve início neste ano e será desenvolvido ao longo de 24 meses.
A Repsol Sinopec é a maior financiadora do projeto, que conta também com recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Para Gabriel Soares Bassani, pesquisador da Repsol, o projeto é disruptivo. “Diferentemente de plantas que estão escalonando processos já existentes, o CO2CHEM busca rotas inovadoras, com melhorias de eficiência no processo, principalmente, eficiência energética e abatimento de emissões”, explica. Nesse sentido, as alianças visam reduzir o risco tecnológico. Embora cada participante tenha um papel bem definido, há integração entre as atividades de pesquisa e desenvolvimento conduzidas por cada um.
Assim, na estrutura adotada, a Hytron, que nasceu como spin-off da Universidade de Campinas (Unicamp) e hoje é parte do Grupo NEA, agrega a expertise em oferecer processos de produção de hidrogênio por meio de diferentes rotas tecnológicas, assim como seu conhecimento na integração dessas rotas aos processos complementares. “Somos a empresa responsável pelo empacotamento da tecnologia em desenvolvimento. Quando essa tecnologia atingir maturidade, a Hytron será responsável pela produção industrial dos sistemas de produção de combustível sintético e por sua comercialização”, explica Antonio Marin, diretor de Pesquisa & Desenvolvimento e Operações da empresa.
A USP tem o papel de desenvolver os catalisadores que vão transformar o CO2 em gás de síntese (CO + hidrogênio), que é a matéria-prima para a produção do combustível, conta a professora da Escola Politécnica da USP, Rita Alves. “Além do desenvolvimento de catalisadores, da definição de suas características e dos testes de desempenho na reação em bancada, o processo que permite a produção em escala industrial também será avaliado”, detalha a professora. “O projeto da Repsol é de valorização do CO2. Visa transformar algo que é nocivo, gerador de mudanças climáticas, em um produto de alto valor agregado, no caso, combustíveis líquidos na faixa do Diesel”, diz.
A participação da universidade se dá por meio do RCGI, centro dedicado a desenvolver tecnologia e conhecimento científico para mitigação dos gases que causam o efeito estufa. Ao falar sobre a atuação do RCGI, o professor da USP, Gustavo Assi, destaca a importância do projeto com a Repsol Sinopec. “A principal mensagem do último Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU é a de que para atingir a meta de aquecimento global do Acordo de Paris dentro de alguns anos, já não basta mais a humanidade diminuir as emissões ou se tornar neutra em emissões. É preciso que a humanidade seja negativa em emissões. Para isso, medidas que capturam carbono na fonte da emissão são muito importantes.”
Nesse processo, o SENAI também tem um papel bem estabelecido. “Cabe ao SENAI fazer a prova de conceito da unidade de conversão de combustíveis e também a construção de uma planta industrial virtual, obtida em ambiente computacional, chamada hoje de digital twin”, esclarece Jeiveison Gobério Soares Santos Maia, consultor-pesquisador do SENAI CETIQT.
Em ambos os projetos, o ISI Biossintéticos e Fibras atua no desenvolvimento pré-industrial. “A infraestrutura única oferecida nas áreas de biologia sintética, engenharia de processos e síntese química e inovação em fibras, com diversos equipamentos de última geração que permitem a realização de pesquisa de bancada a testes em plantas piloto em um mesmo prédio, é um dos diferenciais do ISI”, destaca Victória Santos, coordenadora de inteligência competitiva e propriedade intelectual do Instituto. Esse capital tem feito do ISI um parceiro estratégico para impulsionar projetos em biotecnologia e para intensificar a integração entre ICT-empresa no país.
Sobre o ISI em Biossintéticos e Fibras - É um dos 26 Institutos SENAI de Inovação distribuídos em 12 estados. Foi criado em 2016, a partir de demandas da indústria, tendo como missão desenvolver soluções em química sustentável por meio de biotecnologia e novos recursos renováveis. Tal como o Instituto SENAI de Tecnologia (IST) Têxtil e de Confecção, é parte do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil – SENAI CETIQT. Essa integração permite ao SENAI CETIQT oferecer formação educacional de profissionais (do curso técnico a pós-graduação), prestação de serviços e suporte à pesquisa e inovação nos setores químico, têxtil e de confecções, sendo referência na América Latina.
Recentemente, o ISI migrou suas instalações para o Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Fundão, onde possui 3.500 m2 de infraestrutura laboratorial e cerca de 100 pesquisadores empregados. “A presença no Parque é um outro diferencial importante porque estamos dentro de um dos principais ecossistemas de inovação do país. Estamos próximos de centros de pesquisa de empresas como Ambev, L’Oréal, General Electric, Halliburton, CEPEL, e CENPES, além dos grupos de pesquisa da UFRJ e da sua incubadora de empresas. Fazer parte desse ecossistema é importante para catalisar mais projetos e mais inovação”, conclui Victória Santos.