O IGI de 2021 mostrou que o panorama mundial da inovação está mudando de maneira lenta: economias de alta renda continuam sendo as pioneiras em inovação e as demais economias avançam em ritmo mais lento, o que gera um ciclo desigual entre os países. O que pode ser feito para mudar esse panorama?
Gianna Sagazio - Essa é uma questão fundamental. Sabemos que o Brasil, sendo a 13ª maior economia do mundo, está muito aquém do seu potencial no quesito inovação, ao figurar ao redor da 60ª posição no ranking do Índice Global de Inovação nos últimos anos.
Podemos dizer que a razão de ser da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), é justamente atuar para mudarmos esse panorama. Isso passa por uma série de ações para o fortalecimento do sistema de ciência, tecnologia e inovação no país, garantindo o investimento perene em CT&I. É importante termos, de fato, uma vontade política muito grande para construir uma estratégia de inovação para o país, visualizar quais resultados queremos alcançar e priorizar algumas áreas, porque não dá para fazer tudo de uma vez. Os exemplos internacionais que temos de países inovadores escolhem as áreas em que vão investir de forma mais intensiva e essa escolha é feita de maneira conjunta com a sociedade.
Soumitra Dutta - Dados e pesquisas apontam para duas ondas de inovação iminentes: a Era Digital e uma onda de Ciência Profunda. Cada um deles tem o potencial de ter impactos consideráveis de produtividade e bem-estar global e localmente. Nesse sentido, definir os ambientes certos para “surfar” em qualquer uma dessas ondas demanda que as economias no limite das divisões observadas se tornem mais “preparadas para o futuro”.
Em outras palavras, eles [países] precisam estar preparados para realizar as transformações necessárias. No caso da onda da Era Digital, esse processo exige uma adoção avançada de TICs [Tecnologias de Comunicação e Informação] por meio de infraestrutura aprimorada e adoção de soluções avançadas de TIC, como a IA [Inteligência Artificial].
Por outro lado, surfar em uma onda da Ciência Profunda exigiria, inicialmente, tirar proveito de grandes avanços científicos – desenvolvidos localmente ou no exterior – e da sua transformação em áreas como biotecnologia, nanotecnologia, medicina, ciência dos materiais etc. e, mais tarde, a sua aplicação em domínios socialmente mais orientados, tais como a saúde humana e animal, a agricultura e os sistemas alimentares, a energia limpa, os transportes etc.
Economias no limite dessas divisões têm um alvo claro à vista, onde novas oportunidades para melhorar a produtividade estão claramente à frente. Tomar as medidas adequadas para avançar nessa direção pode ser apenas o necessário para começar a superar esses limites de forma eficiente.
A rápida inovação biomédica durante a pandemia da Covid-19 tem levado especialistas a apontarem que o mundo pode passar por um renascimento da inovação, com a ciência produzindo grandes avanços e com potencial de transformação em todos os setores industriais. Vocês acreditam nesse movimento? Como as economias mundiais e o Brasil podem se aproveitar desse momento?
Gianna Sagazio - Sem dúvida. Um dos fatos fundamentais que a pandemia de Covid-19 ressaltou foi a importância que a inovação, a ciência e a tecnologia têm em nossas vidas, neste caso, literalmente. Acho que podemos nos valer desse momento para conscientizar ainda mais a sociedade brasileira a respeito da importância de CT&I. Além disso, é importante que a economia do Brasil se aproveite desse momento e crie uma forte articulação entre o setor empresarial, o governo e a academia, fazendo com que a inovação se torne um dos vetores de desenvolvimento da economia do país. Sabemos que não existe, no mundo, um exemplo de país que tenha se tornado inovador só com recursos do setor empresarial. E a pandemia nos mostrou isso. Tem que haver um esforço coletivo, envolvendo todos os setores.
Soumitra Dutta - Há opiniões divergentes. Pessoalmente, eu tendo a concordar que existem razões para ser pessimista e otimista sobre a inovação e sobre o papel que a produtividade terá no futuro do crescimento. No entanto, eu gravito para a última perspectiva. Alguns dos argumentos menos positivos sugerem que a oferta de inovação diminuiu, aproveitando outros fatores e, assim, retardando a melhoria dos padrões de vida. Outros sugerem que o mundo está ficando sem ideias transformadoras ou mesmo que os Sistemas de Inovação em vigor não são mais tão produtivos quanto costumavam ser no passado.
Outras opiniões sugerem que outros fatores estão tornando mais difícil para a inovação fazer a diferença. Ainda, nossa revisão da história sugere que não estamos indo tão “mal” quanto algumas dessas percepções sugerem; que talvez estejamos usando referências (benchmarks) desatualizadas para medir a produtividade e seu crescimento induzido. Ou mesmo que talvez estejamos sendo muito impacientes, ignorando o fato de que – independentemente da tecnologia – muitas vezes leva-se algum tempo para a inovação criar novos mercados, e mais ainda para penetrar em nossas vidas diárias.
Inovações como IA [Inteligência Artificial], computação quântica, novos materiais e bioinformática se tornarão ferramentas que se traduzirão definitivamente em melhorias de produtividade, levando a um maior crescimento econômico. O Brasil precisa investir nessas importantes fronteiras tecnológicas. Buscar melhorar os canais de difusão dessas tecnologias é uma área de oportunidade para as economias em geral e o Brasil em particular, pode explorar. Como sugerido no IGI 2022, “esse futuro ainda não está aqui, mas está ao virar da esquina”. Aqueles preparados para isso podem acabar à frente do pacote.
O Brasil tem um grande problema de produtividade em suas empresas, em especial, naquelas de pequeno e médio porte. Que tipos de estratégias podem ser utilizadas para se alcançar o aumento de eficiência na produção brasileira?
Gianna Sagazio - A questão do problema da produtividade das empresas brasileiras diz respeito a uma heterogeneidade da economia brasileira que remonta ao seu processo histórico. De um lado, temos empresas extremamente produtivas, inovadoras, com competitividade internacional. De outro, uma “cauda longa” de médias e pequenas empresas menos produtivas. Entendemos que a inovação pode cumprir um papel fundamental aumentando a produtividade dessas empresas, o que dependerá da melhoria da educação dos trabalhadores alocados nessas firmas e da redução da informalidade.
Nesse sentido, a MEI é um movimento que visa colocar a inovação como parte da estratégia central das empresas, além de promover uma ação coordenada junto ao governo e à academia. Sendo um exemplo bem-sucedido de articulação do ecossistema de inovação do Brasil, reúne mais de 500 empresas e trabalha para o fomento de políticas públicas que possibilitem a maior produtividade das empresas e competitividade do país.
Soumitra Dutta - Embora os dados mais recentes mostrem 2020 como um ano em que o crescimento da produtividade do trabalho atingiu o pico em algumas economias de maneiras não vistas em mais de cinco décadas – incluindo o Brasil – esse fenômeno parece refletir apenas um lado da história real. Na maioria das economias, é provável que os níveis de produtividade permaneçam abaixo dessa tendência nos próximos anos.
Isso, entretanto, não significa que a digitalização acelerada induzida pela pandemia não tenha realmente melhorado a produtividade local. Conforme sugerido na minha resposta anterior, isso levará tempo até que seus efeitos apareçam nos dados e se traduzam em crescimento econômico tangível. Mantendo esse impulso – auxiliado por melhorias que promovam ainda mais a transformação digital – pode ser uma estratégia sólida para continuar melhorando a produtividade, e que o Brasil parece ter um bom avanço.
A MEI passou por uma reestruturação do modelo de governança, com foco em estratégia, gestão e internacionalização. Qual a importância, neste momento, de a MEI se conectar ainda mais com experiências internacionais?
Gianna Sagazio - A melhoria da inovação e da produtividade no país passa necessariamente por um alinhamento do Brasil com as melhores práticas internacionais. A internacionalização da economia brasileira sempre esteve entre as preocupações da MEI, mas agora, com esta reestruturação de nossa governança, esperamos abrir um novo capítulo no quesito. É por isso que, além dos Comitês Estratégico e Executivo, estamos criando um Comitê Consultivo Internacional, com alguns dos maiores especialistas do mundo em inovação. Esperamos com ele criar uma estrutura a partir da qual a ação da MEI esteja ainda mais conectada com o que há de melhor no mundo no quesito inovação.
Em paralelo, a CNI tem um espaço físico em Nova Iorque que permite a potencialização da agenda do Sistema Indústria nesse ecossistema de inovação e traz resultados de parcerias internacionais. Um exemplo é a parceria com o SOSA, empresa global de inovação aberta que conecta empresas brasileiras às plataformas globais de inovação e amplia o intercâmbio e parcerias estratégicas em inovação e tecnologia.
Soumitra Dutta - A relevância de manter a abertura global nunca é demais, especialmente durante uma época em que muitas economias buscam mais soluções de crescimento e desenvolvimento. A internacionalização implica uma crescente interconexão de locais e entidades produtivas entre economias e regiões. Tanto a mudança tecnológica quanto as empresas estão entre as principais forças motrizes desse processo. A MEI pode continuar a ocupar um papel central entre esses atores, promovendo por meio de uma série de mecanismos – investimento, comércio, mobilidade de talentos etc. – uma contínua globalização da inovação.