O projeto Sirius - acelerador de partículas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) - é considerado a mais complexa infraestrutura científica já construída no Brasil. Além disso, é uma das primeiras fontes de luz síncrotron de 4ª geração do mundo. O Sirius funciona como um microscópio gigante que usa esse tipo de luz especial para estudar estruturas internas de materiais em praticamente todas as áreas do conhecimento como química, física, engenharia de materiais, bio e nanotecnologia, farmacologia, medicina, geologia, agricultura, oceanografia, petróleo e gás, paleontologia e tantas outras.
Para produzir radiação sincrotron é necessário manter elétrons viajando na velocidade próxima à da luz. E a luz é gerada por meio de eletroímãs que, no caso do Sirius, foram especialmente fabricados pela WEG. A participação da WEG nesse projeto exemplifica um case de sucesso de encomenda tecnológica e sobre como demandas públicas impulsionam a inovação no setor privado. Sobre essa experiência de sucesso, o InforMEI conversou com gerente do departamento de Gestão da Inovação Tecnológica da WEG Motores, Sebastião Nau.
Confira a entrevista na íntegra.
InforMEI – Apesar de na época a legislação de encomendas tecnológicas ainda não estar regulamentada, o processo de construção do Sirius seguiu os parâmetros de uma encomenda tecnológica. A WEG teve a oportunidade de ser escolhida para a construção dos eletroímãs – essenciais para o funcionamento do acelerador. Quais foram os aprendizados da empresa a partir da participação nesse processo de compra pública?
Sebastião Nau – A WEG, desde o começo, encarou este desafio com grande alegria e responsabilidade. Apostamos que nossa capacidade fabril, nossa experiência na fabricação de motores elétricos, nossa estrutura técnica e laboratorial para pesquisa e desenvolvimento, nossa capacidade de produção de ferramentas de alta complexidade e nosso time de especialistas em processos seriam suficientes para produzirmos e entregarmos os eletroímãs dentro das rígidas especificações requeridas. No entanto, durante o desenvolvimento do processo de fabricação dos eletroímãs, percebemos que precisaríamos desenvolver uma estrutura fabril especial para garantir as tolerâncias dos diversos componentes dos eletroímãs, muito menores do que as dos nossos produtos mais críticos. Desta forma, entendemos que as encomendas tecnológicas possuem o importante papel de, além de buscar a solução para um desafio tecnológico específico, gerar novos conhecimentos, viabilizar o engajamento do setor privado nestes desafios e sustentar o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias.
InforMEI – Ao atender essa demanda do CNPEM, a WEG passou a atuar em outro segmento – fora do core business da empresa. Para isso, construiu um laboratório especialmente para o desenvolvimento e produção dos eletroímãs que não existiam no mercado. Além disso, quais os outros desafios que a empresa precisou superar?
Sebastião Nau – O grande desafio foi desenvolver técnicas não usuais na WEG na construção de eletroímãs para fontes de luz de síncrotron. Os riscos envolvidos foram elevados considerando alcançar as características construtivas dos eletroímãs com precisão dimensional inferior a 20 µm; garantir a repetibilidade de montagem; administrar a quantidade de variáveis que poderiam influenciar o campo magnético dos eletroímãs; aperfeiçoar o processo de estampagem, até então não experimentado na produção de motores elétricos, permitindo o empilhamento de chapas sem pós processamentos como usinagem e eletro erosão, que seriam novas variáveis para o resultado final; e simular variações de indução magnética da ordem de 0,1mT.
InforMEI – As tecnologias desenvolvidas puderam ser aplicadas em outros produtos e processos? Isso possibilitou a entrada em outros mercados?
Sebastião Nau – O domínio deste conhecimento poderá colaborar no desenvolvimento de novas tecnologias para a fabricação de máquinas elétricas, principalmente aquelas de maior valor agregado – ou que possuam características construtivas mais críticas. Paulatinamente, vamos aplicando o conhecimento adquirido em novos produtos para estarmos preparados a entrar em mercados que exigem características especiais, além deste específico para os eletroímãs.
InforMEI – Do ponto de vista da qualificação profissional, quais os efeitos causados nas equipes de engenharia e pesquisa da empresa?
Sebastião Nau – As equipes de Engenharia, Pesquisa & Desenvolvimento, Processos Industriais e Ferramentaria tiveram que aprender novas técnicas e utilizar com mais intensidade outras já conhecidas para conseguir fabricar os eletroímãs dentro das tolerâncias exigidas. Assim, foi realizado extensivo treinamento em ferramentas da qualidade como Seis Sigma e DFSS (Design for Six Sigma) aplicadas ao processo produtivo, além de constante treinamento em técnicas computacionais de simulação numérica por elementos finitos aplicadas ao projeto e análise de produtos.
InforMEI – Que outras oportunidades e desdobramentos a WEG teve ao fazer parte desse projeto?
Sebastião Nau – Um dos aspectos positivos de participarmos deste projeto, além do nosso desenvolvimento técnico-científico, fruto da necessidade de cumprir as exigências do projeto e do relacionamento técnico frequente com a equipe do Sirius, foi a repercussão positiva para a WEG perante o público em geral como uma empresa inovadora e com grande capacidade tecnológica. Esta visibilidade tecnológica promovida através da participação da WEG no projeto Sirius certamente ajudará a impulsionar outros negócios.
InforMEI – Na sua opinião, qual a importância de essa modalidade ser mais utilizada pelo poder público no Brasil a fim de alavancar pesquisa, desenvolvimento e inovação na indústria?
Sebastião Nau – As encomendas tecnológicas são sempre uma excelente oportunidade para alavancar o desenvolvimento tecnológico das empresas. Algumas vezes, as empresas poderão se desenvolver sozinhas, outras vezes irão precisar do apoio e suporte científico de universidades e institutos de pesquisa, o que impulsiona também as atividades de P&D na academia. Por serem destinadas a solucionar desafios específicos através do desenvolvimento de soluções com elevado nível de incerteza tecnológica, a encomenda tecnológica é fundamental para viabilizar e estimular a inovação na indústria, pelo lado da demanda pública. A busca por soluções para os problemas estratégicos do país pode ser realizada através da incorporação de instrumentos de encomenda tecnológica, sendo fundamental a aplicação deste mecanismo na forma de política pública continuada, com vistas a viabilizar o engajamento e participação contínua da indústria neste processo. Cabe destacar, ainda, o importante papel do poder público na aplicação de políticas amplas e transversais de apoio à inovação. Além de promover a competitividade da indústria, tais políticas são fundamentais para alavancar o desenvolvimento tecnológico de forma abrangente e ampliar os seus benefícios para os diversos setores da economia e da sociedade.
InforMEI – A pandemia fez com que as organizações precisassem repensar modelos de negócio, relações de trabalho e de consumo, além de recorrer a novas tecnologias para resolver problemas e diminuir eventuais perdas. Qual será o papel da inovação na reorganização do setor produtivo, com vistas à retomada do crescimento?
Sebastião Nau – Não podemos pensar na inovação apenas como uma maneira de desenvolver produtos ou processos inéditos, mas principalmente como meio de aperfeiçoar os produtos e processos já existentes, reduzindo custos, aumentando a qualidade e produtividade. Enfim, tornando a empresa mais competitiva em termos mundiais. Muitas vezes, uma inovação radical é fundamental porque ela alavanca outras inovações incrementais, mas, geralmente, o maior percentual de faturamento das empresas vem das inovações incrementais. A inovação em curso que afetará sensivelmente a organização do setor produtivo são as tecnologias habilitadoras da indústria 4.0. Embora individualmente essas tecnologias sejam inovações incrementais, no seu conjunto elas são bastante disruptivas, alterando completamente a maneira como se produz hoje.