Para suprir as necessidades urgentes de respiradores do mercado interno, universidades brasileiras começaram a desenvolver soluções de baixo custo. Tanto a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quanto a Universidade de São Paulo (USP) estão com projetos em desenvolvimento em parceria com empresas.
A produção e a disponibilidade de respiradores para aquisição têm sido um dos maiores desafios no tratamento da população com Covid-19. Essas máquinas auxiliam os pulmões na inspiração e expiração e são fundamentais no tratamento dos casos mais graves, quando o paciente apresenta um quadro de insuficiência respiratória. Em alguns países, como a Itália e Espanha, a falta desses aparelhos levou médicos a difícil decisão de quem iriam tratar. De acordo com estudo da New England Journal of Medicine, a cada 1.099 casos na China, 6,1% necessitaram de ventilação mecânica.
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde (MS), em março, havia 65.411 aparelhos disponíveis, dos quais 46.663 no Sistema Único de Saúde (SUS) e 18.748 na rede privada. O número, considerado insuficiente para o atendimento da população da rede pública, levou o MS a uma corrida pela compra desses equipamentos, no Brasil e no exterior. Contudo, até o início do mês de maio, apenas uma pequena parte do material adquirido havia sido entregue. As empresas nacionais têm tido dificuldade para ampliar a produção por falta de componentes importados, que estão escassos devido à grande demanda.
Atenta à oportunidade de suprir essa carência, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) construiu, em menos de dois meses, o protótipo do Ventilador de Exceção para Covid-19 (VExCO), que se beneficiou em larga medida das pesquisas e do conhecimento acumulado no Laboratório de Engenharia Pulmonar da universidade.
A partir de mensagem compartilhada via redes sociais, o professor Jurandir Nadal, coordenador da iniciativa, conseguiu apoio de pessoas físicas e de instituições dispostas a colaborar. O pedido de financiamento aprovado em tempo recorde pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) viabilizou o desenvolvimento do protótipo, que conta hoje com aproximadamente cinquenta participantes, diretos ou indiretos, em sua execução.
Duas empresas foram engajadas já na fase de concepção do produto. “A Whirlpool foi muito importante, porque nos deu a visão de uma empresa que poderia produzir, uma indústria que tinha contato de fornecedores”, conta o professor Nadal. A outra empresa, a Petrobras, alocou pessoas diretamente na ação. Por isso, o coordenador define o projeto como das três organizações.
Mesmo com a importante rede de cooperação, ainda existem obstáculos para o fornecimento de peças para produção. Também é preciso lidar com as políticas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cujas regras para instituições que não têm comprovada experiência na fabricação desses equipamentos médicos – como é o caso da universidade e da Whirlpool, – dificultam a aprovação do produto. Apesar de todos os percalços, a meta é produzir 1.000 unidades, que deverão ser destinadas, preferencialmente, ao estado fluminense. Outros acordos estão em negociação com Pernambuco e Mato Grosso, com possibilidade para atender a outros locais, desde que existam recursos. “Nesse sentido, é muito bem-vindo o auxílio de qualquer indústria, na forma de doação ou convênio, para desenvolver os equipamentos e fazê-los chegar aos pacientes”, conclui Jurandir Nadal.
A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) é outro exemplo de inciativa acadêmica. Sob a coordenação dos professores Marcelo Knörich Zuffo e Raúl Gonzalez Lima, foi formada uma equipe multidisciplinar que conseguiu, em 45 dias, criar um ventilador pulmonar emergencial de baixo custo, batizado de INSPIRE.
Os coordenadores estabeleceram três premissas para a construção do projeto: simplicidade, custo baixo e facilidade de fabricação. Para atender a premissa de baixo custo, o valor aproximado para a fabricação do INSPIRE é de mil reais. No que concerne à facilidade de fabricação, a construção é principalmente baseada em partes e peças facilmente encontradas no mercado brasileiro e o tempo para a sua montagem é inferior a duas horas.
O protótipo respondeu positivamente aos testes em animais e humanos e entrará em produção em parceria com a Marinha. A expectativa é que a equipe fabrique cerca de 1.000 unidades para o sistema público de saúde.
O trabalho conta com mais de uma centena de colaboradores. “(Este é) um avião que está sendo montado em pleno voo e continua crescendo, pois estamos montando vários grupos de trabalho”, conta o professor Marcelo Zuffo. De fato, o INSPIRE foi viabilizado por meio de uma ampla rede de parceiros, que, além de aporte financeiro, auxilia com apoio logístico de suprimentos e na discussão do projeto. Até o momento, são cerca de 25 instituições colaboradoras, como o SENAI-SP, o Instituto de Pesquisa Tecnológicas (IPT), as Faculdades de Medicina, Veterinária e Direito da USP, a Marinha, o Bradesco, a Votorantim, entre outras.
Sobre os desafios para a implementação do projeto, o coordenador relata que “várias são intrínsecas à celeridade, à impossibilidade de errar.” Mas, segundo ele, há também os desafios da produção, que envolvem a transposição da limitação da cadeia de suprimentos, inclusive forçando um processo de nacionalização de partes e peças para viabilizar a produção.
Por enfrentar esse desafio de acesso a insumos, Zuffo entende que uma das lições trazidas pelo projeto é a necessidade de se repensar a globalização, pelo menos no que tange à existência da indústria. “Em um momento de produção ágil, como a situação exige, é necessário que tenhamos o mínimo de adensamento industrial local para poder responder situações como a de Covid-19. Nós não podemos ter todo o nosso suprimento e fonte de fornecimento de base tecnológica em duas nações no mundo”, conclui.
Para saber mais sobre os projetos e como contribuir, visite os sites de cada um deles: VExCO e INSPIRE.
Modelo 3D do INSPIRE, desenvolvido pela Escola Politécnica da USP
Respirador artificial construído em menos de dois meses por pesquisadores da UFRJ