InforMEI – No Brasil, há obstáculos para a indústria 4.0, como burocracia, falta de financiamento e padronização de tecnologias, além de pouca qualificação da força de trabalho, que refletem baixos níveis de inovação. Como as startups estão navegando nesse cenário e o que o BNDES tem feito para fortalecer o ambiente de negócios, considerando esses obstáculos?
Bruno Aranha – Uma das principais missões do BNDES é contribuir na transição do Brasil para a economia do conhecimento, impulsionada pela inovação e pela agenda ASG, de maneira inclusiva e sustentável. O BNDES, como parte do ecossistema de inovação, contribui para além do crédito na superação dos obstáculos da indústria 4.0 para as empresas de todos os portes, em especial para as startups e MPEs. É com esse objetivo que o BNDES tem participado de diversos fóruns junto ao governo federal e entidades do setor produtivo há anos.
Criamos as linhas de financiamento Máquinas 4.0 e Serviços 4.0, patrocinamos a “Linha de Fabricação Demonstração no Conceito de Manufatura Avançada” da ABIMAQ, temos nosso Fundo Tecnológico (Funtec), não reembolsável, com atuação no tema manufatura avançada e pelo qual financiamos, em parceria com o MCTI, o estudo e elaboração do Plano Nacional de Internet das Coisas. Especificamente em relação às startups, lançamos duas edições do BNDES Garagem, a última edição com foco na resolução de desafios sociais e ambientais, e, recentemente, junto com a Qualcomm e a Indicator Capital, anunciamos o lançamento do primeiro fundo de venture capital, especializado em Internet das Coisas (IoT) e Conectividade na América Latina, que levantou R$ 240 milhões e já conta com outros grandes investidores. Também participamos das reuniões da própria MEI apoiando ações como o Programa Senai Competitividade e a Embrapii, e muitas outras ações.
InforMEI – O BNDES oferece diversos instrumentos de apoio à inovação de empresas de todos os portes e setores, incluindo energia renovável, saúde, químico, transporte, entre outros. Na sua visão, quais são as tecnologias mais urgentes e que devem despontar a partir de mudanças pelas quais estamos passando, bem como soluções para os grandes desafios da humanidade?
Bruno Aranha – É importante que o Brasil busque sempre novas oportunidades de atuação e inserção tecnológica. E isso tende a ocorrer por meio da agenda ASG e de baixo carbono. Hoje temos as tecnologias habilitadoras, tais como IoT, novos materiais, IA e biotecnologia, que perpassam muitos setores e desafios.
Essas tecnologias avançam em características positivas dos setores tradicionais, como agricultura e petróleo (resource-based strategy), considerando novos desafios; buscam resgatar a competitividade de setores industriais, como o complexo da saúde; ou ainda, desenvolvem novas áreas de conhecimento e atividades econômicas.
Elas podem e devem focar nas questões socioambientais, com uso de instrumentos para alavancar capital privado, como o uso de encomendas tecnológicas, fundos setoriais e compartilhamento de risco. É importante termos uma visão de integração entre as políticas industrial e tecnológica.
E, reconhecendo a relevância das questões socioambientais, o BNDES tem apoiado projetos que busquem responder a esses desafios. Como alternativa para substituir o uso de insumos petroquímicos por fontes renováveis, por exemplo, é possível citar projetos na área de Química Verde, como a produção de fibras de carbono, por meio de rota inédita, a partir de resíduos florestais, assim como a produção de químicos industriais e cosméticos a partir da fermentação de açúcar por leveduras.
Temos também a definição dos focos do BNDES Funtec, que, para o período de 2021 e 2022, incluirá projetos inovadores em novos biocombustíveis, geração de energia a base de hidrogênio, economia circular, restauro de florestas nativas, saneamento básico, produção de uma vacina brasileira contra Covid, entre outros temas relevantes da agenda ASG, além, é claro, de apoiar projetos inovadores em transformação digital e indústria 4.0.
InforMEI – Ainda sob o rescaldo dessa crise global, vimos empresas e organizações obrigadas a repensar modelos de negócio, relações de consumo e, também, a recorrer a tecnologias que pudessem solucionar diversos problemas. Como a nova realidade irá afetar o futuro do setor produtivo e de investimentos em nível nacional e global?
Bruno Aranha – Desde a crise financeira de 2008, países, empresas e organizações vêm repensando essas questões, e as tecnologias voltadas para a indústria 4.0 são reflexo da necessidade de uma cadeia produtiva mais ágil, flexível, integrada, inteligente, sustentável e que integra produtos e serviços, com políticas industriais revigoradas por países, como Alemanha e EUA, na busca por aumentar a capacidade de produção local e retomada da liderança em inovação. A pandemia global agudiza esse processo e as tecnologias 4.0 se tornam ainda mais relevantes para nos adaptarmos às novas condições impostas para uma retomada da economia de forma segura para todos.
Além disso, há a revisão das estratégias de localização das cadeias de fornecedores, que se mostraram muito concentradas na Ásia, e diminuíram a autonomia de produção nos demais países. Nesse contexto, temos a oportunidade de buscar investimentos nesse processo de relocalização, porém sem esquecer de reforçar nossa capacidade inovadora de produção de tecnologias para termos também uma indústria local forte e resiliente, menos dependente de insumos externos para enfrentarmos novas crises.
InforMEI – A crise mundial causada pela pandemia trouxe grandes desafios e, ao mesmo tempo, grandes oportunidades de implementação de soluções inovadoras e disruptivas. Nesse contexto, qual a importância da inovação aberta como estratégia para incrementar a competitividade por meio de projetos de inovação colaborativos?
Bruno Aranha – Inovar é um processo cumulativo, e é de grande relevância construirmos processos perenes de apoio às capacitações para inovar das empresas brasileiras. Dados os riscos inerentes ao processo inovador, que muitas vezes inviabilizam investimentos privados nesse campo, a estratégia de uso da inovação aberta por meio de projetos colaborativos pode ser um elemento chave na busca de minimização de custos e riscos para as empresas, viabilizando investimentos privados relevantes em inovação, em especial em soluções disruptivas.
InforMEI – As startups são essenciais para a geração de empregos e para a dinamização da economia, além de estimularem o ciclo de renovação da indústria, agricultura, comércio e serviços. Como o BNDES Garagem tem estimulado a expansão da atuação de startups brasileiras?
Bruno Aranha – O BNDES Garagem - Negócios de Impacto tem como objetivo fomentar o surgimento de uma nova geração de empreendedores e fortalecer startups com soluções socioambientais, tornando os participantes empreendedores mais maduros. O programa foi reformulado para apoiar startups de impacto e espera atingir e conectar empreendedores cujas soluções sejam capazes de tratar as ineficiências com base em inovações tecnológicas, transformando a sociedade e o ambiente a sua volta.
A aproximação das startups com grandes empresas é algo que o BNDES Garagem busca fomentar, por entender que tais conexões ajudam a dinamizar a economia, pois a inovação aberta é benéfica para ambos os lados, seja por gerar economia ou ganho de produtividade para as grandes empresas. Além disso, a grande empresa pode passar a explorar outras rotas tecnológicas que não são exploradas pela empresa e a startup passa a acessar novos mercados.
Além do BNDES Garagem, o BNDES já apoia startups há muitos anos por meio de fundos de capital semente, tais como: fundo Criatec, Primatec, Fundo Anjo e alguns fundos de corporate venture. Esses fundos são alternativas de "smart money", ou seja, além de aportarem recursos financeiros nas startups, os gestores ajudam na melhoria da gestão, definição da estratégia dessas empresas e com networking, ajudando na conexão dessas startups com grandes empresas e, consequentemente, apoiando o crescimento das empresas investidas.
InforMEI – No ano passado, houve um investimento recorde em startups no Brasil, com aumento de quase 30%, em relação a 2019. Na sua opinião, em quais segmentos o interesse de investidores pode aumentar?
Bruno Aranha – Retomo a questão das tecnologias habilitadoras, em função da transversalidade de seus usos em relação a setores, temáticas e desafios. Portanto, na prospecção de demanda, as startups devem focar na solução de desafios de seus clientes, que podem variar de acordo com as características do setor, porte, localização geográfica. Atualmente, acredito que os desafios estão entre questões de aumento de eficiência produtiva e logística, principalmente às ligadas à temática ASG.
InforMEI – Há um ano, a CNI e o SOSA – empresa israelense de inovação aberta -, estão à frente de uma parceria que oferece às indústrias brasileiras a oportunidade de acessar tecnologia de ponta e responder a desafios com maior rapidez, além de projetar startups brasileiras no mercado global. Qual o impacto de projetos dessa natureza no ecossistema brasileiro de inovação?
Bruno Aranha – A adoção por empresas brasileiras, de todos os portes, do uso da estratégia de inovação aberta é fundamental e relevante para que possamos desenvolver e aumentar nossas capacitações para inovar, principalmente por conta da possibilidade de minimizar custos e riscos inerentes ao processo inovador. Assim, oportunidades de acessar programas de inovação, tal como o CNI/SOSA e BNDES Garagem, têm a capacidade de potencializar as possibilidades de investimentos locais em soluções inovadoras mais disruptivas, bem como permite que as empresas e startups nacionais absorvam e aprimorem suas capacidades de inovar de forma cumulativa para que tenhamos um ecossistema de inovação ainda mais robusto e perene.