Poucas pessoas nos Estados Unidos têm a experiência e o reconhecimento na agenda de inovação e competitividade como a presidente e CEO do Conselho de Competitividade, Deborah L. Wince-Smith. Ela acumula passagens profissionais em secretarias de política e tecnologia das administrações de diferentes presidentes norte-americanos, como Ronald Reagan e George H. W. Bush, período em que foi a primeira secretária assistente de política e tecnologia do país. Nos últimos anos, Wince-Smith também cofundou a Federação Global de Conselhos de Competitividade (GFCC, na sigla em inglês) – uma rede global de líderes e organizações comprometidas em desenvolver e implementar conceitos, iniciativas e ferramentas para navegar no complexo cenário de competitividade e implementar medidas para impulsionar a inovação, produtividade e desenvolvimento econômico de longo prazo.
Em novembro passado, Deborah L. Wince-Smith participou do fórum internacional de diálogo sobre a sociedade amazônica Amazônia + 21. A seguir, você confere os principais destaques de sua participação no evento, por tópicos.
Inovação e competitividade: a relação Brasil-Estados Unidos
Deborah L. Wince-Smith – Já perdi a conta de quantas vezes visitei o Brasil na qualidade de presidente e CEO do Conselho de Competitividade. Como arqueóloga, tenho um profundo apreço pela história das pessoas e suas culturas, de povos indígenas, que no Brasil representam um dos mais ricos e diversos do mundo, com história e cultura que remontam há mais de dez milênios. Por muito tempo se pensou que a floresta estava vazia. Hoje, estamos vendo o quanto isso era um mito. Novas descobertas arqueológicas, possibilitadas por novas tecnologias, estão revelando a incrível biodiversidade do Brasil. Essa biodiversidade e diversidade cultural são um tesouro para o mundo, com centenas de grupos indígenas amazônicos, que falam centenas de línguas ou variantes, algumas faladas por poucas pessoas. Muito mais será descoberto nos próximos anos.
A relação do Conselho (de Competitividade) com o Brasil remonta há uma década e meia, começando com nossa parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), que resultou em quatro Cúpulas de Inovação Brasil-EUA – em Brasília, Washington, Rio de Janeiro e San Diego – com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Em 2010, recebemos uma delegação da Região Amazônica organizada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), que se juntou a nós em Washington para o 2º Encontro de Inovação Brasil-EUA na Universidade de Georgetown. Juntos fomos pioneiros em um novo modelo de cooperação bilateral por meio de uma série de mais de quinze laboratórios de aprendizagem de inovação Brasil-EUA, em tópicos como investimento em pesquisa, manufatura, energia renovável e empreendedorismo. Os avanços alcançados por meio dessa parceria nos levaram a acreditar que, além da aproximação bilateral, um esforço verdadeiramente multilateral poderia dar impulso a um movimento global de competitividade e inovação.
Foi assim que, em 2010, Estados Unidos e Brasil, junto com outros países como Japão, Canadá, Egito, Arábia Saudita, Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos, lançaram a Federação Global de Conselhos de Competitividade (GFCC). Essa é a primeira rede global dedicada exclusivamente ao intercâmbio de conhecimentos e práticas relacionados às políticas e estratégias de competitividade. Nesse ambiente, a sustentabilidade tem adquirido presença cada vez mais proeminente ao lado da agenda de inovação.
Sustentabilidade como estímulo de competitividade
Deborah L. Wince-Smith – A pandemia ocasionada pela Covid-19 é um marco verdadeiramente transformador e notável na história. Estamos em um momento de tremendo desafio, mudança e reinvenção. Os tipos de destruição criativa que normalmente levariam anos ou décadas para se desenvolver estão acontecendo rapidamente diante de nossos olhos. São transformações que, apesar dos impactos negativos em nossa sociedade, podem trazer resultados positivos para a força de trabalho, para a nossa sociedade e para o mundo como um todo. Nessa encruzilhada, vemos oportunidades de desenvolvermos sistemas de produção e consumo mais sustentáveis, eficientes em energia e resilientes. E temos a necessidade e as oportunidades de impulsionar um desenvolvimento econômico mais inclusivo, no sentido de abordar a desigualdade econômica e social acentuada, a pobreza persistente e a falta de desenvolvimento em certos lugares do mundo. Por exemplo, muitos acreditam que a pandemia ocasionada pela Covid-19 servirá como um freio à rápida urbanização ou iniciará uma tendência de desurbanização.
Nos Estados Unidos, o setor imobiliário está relatando um grande aumento nas consultas e na compra de casas por pessoas que moram em áreas metropolitanas e buscam se mudar para o subúrbio e comunidades rurais. Se o teletrabalho permanecer e os trabalhadores altamente qualificados se dispersarem para áreas não urbanas, veremos novos estímulos econômicos e empresariais para regiões menos desenvolvidas. Esta poderia ser uma oportunidade de ouro para avançarmos com o desenvolvimento sustentável, enquanto fechamos a divisão econômica urbano-rural que se vê em todo o mundo. Conforme esses lugares se desenvolvem, há uma chance de promover o desenvolvimento de energias mais verdes, mais limpas. Por exemplo, algumas áreas rurais são excelentes candidatas para o desenvolvimento e uso de bioenergia e de energia eólica, solar e hídrica. Aumentar a sustentabilidade de como usamos e consumimos nossos recursos naturais é vital para o futuro da humanidade, e existem poucos lugares no planeta onde isso é uma necessidade mais urgente do que no Brasil, na região amazônica, com seu bioma em escala incomparável e sua megadiversidade sob constante ameaça.
Sustentabilidade e uso de novas tecnologias
Deborah L. Wince-Smith – Estão surgindo tecnologias poderosas que podem resultar em soluções sustentáveis. A oportunidade é multidimensional, abrangendo agricultura, energia, água, construção civil e como fazemos, movemos e consumimos produtos e serviços. A pobreza energética muitas vezes resulta em outros desafios enormes, como: problemas sanitários, falta de água potável, escassez de alimentos e pouco ou nenhum desenvolvimento industrial. A questão energética tem alta prioridade. No entanto, não há solução mágica. Precisamos de uma diversidade de abordagens, fontes de energia mais limpas e mais baratas. As oportunidades são onipresentes, integradas em quase todos os usos de energia. Estamos no meio de uma mudança para sistemas de energia mais sustentáveis e o Brasil tem sido um líder mundial na adoção de energia mais limpa, em biocombustíveis, solar, eólica e, claro, a hidrelétrica – que responde por mais de dois terços da geração de eletricidade do país.
Mais de 30 países têm recursos de gás de xisto. Houve avanços significativos em energia nuclear, uso de hidrogênio - que oferece benefícios econômicos e ambientais únicos nos setores de transporte e industrial. Teremos melhores estratégias de produção baseadas em hidrogênio, pequenos sistemas eólicos e biomassa, pequenas centrais hidrelétricas, uso em maior medida de energia geotérmica. Veremos sistemas fora da rede, em menor escala, que serão necessários onde os sistemas centralizados de energia ainda não conseguem chegar, como comunidades e zonas rurais pobres. Veremos, em maior medida, tecnologias simples, como aquecedores solares de água, bombas eólicas e biogás, pequenas turbinas eólicas colocadas em pontes sobre rios e cumes ao longo de vales, que podem aproveitar a força do vento. Dado que os dispositivos hidrocinéticos podem ser implantados em qualquer recurso hídrico com velocidade suficiente para movê-los, como riachos, estuários de marés, ondas do mar, correntes e hidrovias construídas, seu potencial de geração de energia é significativo e deve ser considerado na elaboração de estratégias de desenvolvimento.
Sustentabilidade, inovação e mudanças
Deborah L. Wince-Smith – Aumentar a sustentabilidade e a produtividade da agricultura no Brasil é uma necessidade urgente, dada a ligação entre a produção de alimentos e o desmatamento corrente. A biotecnologia está preparada para fornecer soluções nos quatro fatores essenciais da vida e recursos essenciais no Brasil: alimentos, rações, fibras e combustíveis. A biotecnologia nos ajudará a criar safras mais resistentes a pragas e doenças, e safras mais produtivas, mas tolerantes ao clima – ao tornar viável a agricultura onde antes não era possível. A agricultura de precisão pode ajudar a otimizar o uso da terra e economizar água e energia. A biomanufatura também desempenhará um papel relevante. Estudo recente do Instituto Global da McKinsey sugere que até sessenta por cento dos insumos físicos para a economia global poderiam ser produzidos biologicamente. Isto é: um terço de materiais biológicos e dois terços produzidos por meio de processos biológicos. Muito irá mudar no futuro próximo que impactará a inovação, a sustentabilidade e a competitividade das economias.
Inovação, relações de consumo e economia circular
Deborah L. Wince-Smith – Do lado do consumo, os modelos de economia circular buscam desenvolver produtos e componentes para mantê-los circulando na economia, reduzindo as substituições e aumentando o valor e a longevidade da energia e de materiais que consumimos. Devido ao consumo de materiais e energia, geração de resíduos e poluição, algumas indústrias são prioritárias, como têxteis e vestuário, construção civil, agricultura, móveis, eletrônicos, embalagens, plásticos, veículos, alimentos, aço, cimento e produtos químicos.
Com a produção e o consumo concentrados nas cidades, o aproveitamento das novas tecnologias de forma sistemática pode fazer uma diferença significativa na sustentabilidade – uma meta especialmente importante, à medida que novas áreas urbanas surgem em todo o mundo. Isso inclui novos investimentos em sistemas sustentáveis de energia e água, novos projetos e tecnologias de edifícios com eficiência energética, onde veremos edifícios e sistemas inteligentes projetados para a obtenção de uma eficiência ideal capazes de economizar energia entre 60% e 80%; rodovias e veículos inteligentes que otimizam os fluxos de tráfego e reduzem o congestionamento e a ociosidade, e altos níveis de banda larga e penetração da internet para suportar o teletrabalho. Em suma, se olharmos para o cenário da inovação e consumo, veremos um profundo potencial para passar da escassez para a abundância sustentável de alimentos, água, energia e muito mais.
Futuro e inovação
Deborah L. Wince-Smith – No futuro, precisamos de uma nova estrutura global para o desenvolvimento econômico focado na abundância e no crescimento. Nesse contexto, as empresas desempenham um papel primordial e muitas estão respondendo com iniciativas de sustentabilidade. Na produção de bens, por exemplo, muitas empresas estão se esforçando para reduzir o consumo de energia e usar fontes mais limpas para alimentar suas operações. Muitas empresas estão implementando esforços para usar materiais mais sustentáveis e produtos químicos mais verdes, reduzir o uso de água, adotar estratégias e uso de energia alternativa em suas frotas, além de aumentar a eficiência energética de edifícios e equipamentos industriais.
Na mesma medida, outras empresas estão trabalhando para incorporar sustentabilidade a seus produtos como, por exemplo, aparelhos mais eficientes em termos de consumo de energia, recicláveis, compostáveis ou embalagens biodegradáveis. Melhorar a sustentabilidade em todo o ciclo de vida do produto que abrange a cadeia de abastecimento, origem de materiais, produção, embalagem, distribuição e armazenamento e disposição final é um importante foco de atenção. Algumas empresas estão definindo metas ambiciosas de sustentabilidade em toda a sua cadeia de suprimentos em embalagens, água, clima e agricultura, a serem cumpridas num prazo de cinco a dez anos. Em uma pesquisa recente com empresas, 52% disseram que a mudança climática é uma questão muito significativa e 40% disseram que era um interesse fundamental dos investidores. No entanto, apenas metade das empresas disse que estava integrando a sustentabilidade ao seu negócio principal de maneira excelente ou muito boa.
Em termos de soluções inovadoras, seja uma célula solar nova e altamente eficiente, uma bateria que pode estender o alcance de um veículo elétrico, ou o desenvolvimento de safras tolerantes a secas ou inundações, somente uma indústria competitiva tem recursos para desenvolver novas tecnologias e colocá-las no mercado de maneira eficiente e econômica. Algumas universidades estão incorporando a sustentabilidade em seus programas educacionais, contribuindo no aprimoramento da força de trabalho em empresas que enfrentem esse desafio. Por exemplo, a Arizona State University fundou a primeira escola de sustentabilidade dos Estados Unidos, oferecendo programas e diplomas em sustentabilidade, incluindo programas especializados em sistemas alimentares sustentáveis, ciência da sustentabilidade global, liderança em sustentabilidade e energia sustentável.
Em minha visão, este é um momento chave na história. Diante da pandemia global ocasionada pela Covid-19, estamos repensando como produzimos, como tornar as cadeias de suprimentos mais fortes e como usar novas tecnologias para tornar nossas operações mais resilientes. Alguns estão questionando se realmente precisamos de escritórios. Este é um momento de transformação.
Está claro que o nosso atual modelo econômico é insustentável. Para contornarmos a situação, precisamos saber onde estamos e para onde queremos ir em termos de inovação, sustentabilidade e consumo. Precisamos de novas estratégias, em que desperdícios são evitados e produtos são desenvolvidos com vistas a reutilização ou compartilhamento. Uma produção limpa deve ser considerada sempre, em sinergia com uma economia inclusiva e sustentável, para dispormos de soluções viáveis e acessíveis para todos.