InforMEI – O impacto da pandemia no setor aéreo foi brutal, tanto no mercado internacional, quanto no doméstico. No Brasil, de acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), as rotas domésticas ativas eram 509 em fevereiro, despencaram para 125 em abril e, em sinal de lenta recuperação, passaram a 231 em julho. Quais são seus principais desafios ao assumir a presidência do Grupo Airbus Brasil nesse cenário?
Gilberto Peralta – A Airbus tem enfrentado a crise global mais séria e sem precedentes em nosso setor e temos tomado todas as medidas necessárias para garantir seu futuro. E, simultaneamente, examinamos como poderíamos apoiar nossa indústria. Reduzimos nossa produção de aeronaves comerciais em cerca de 40% no contexto de uma indústria de viagens aéreas em crise. Sabemos que muitas pessoas ao redor do mundo não sabem quando serão capazes de se conectar fisicamente com seus entes queridos que estão em uma viagem de avião de distância ou retornar aos seus locais de trabalho, especialmente agora que novas variantes do vírus estão aparecendo, fazendo com que alguns países sejam bloqueados ou restringindo suas fronteiras novamente. Além disso, provavelmente também estão se questionando se voar pode colocar sua saúde em risco, e este é nosso maior desafio.
É por isso que a prioridade número um da Airbus é proteger aqueles que interagem com nossos produtos e serviços, bem como todos e tudo, desde pessoal de emergência e equipamentos, a bens e serviços, voando a bordo de um de nossos produtos. Como fabricantes, sem dúvida temos um papel a desempenhar neste renascimento, e é por isso que estamos ajudando as autoridades da região, fornecendo-lhes orientações sobre como encontrar o melhor caminho a seguir. Nossa missão é conectar pessoas em todos os países.
Para tanto, nos perguntamos o que podemos fazer para melhorar a saúde dos passageiros. O ar puro sempre foi uma prioridade no nosso design. O ar nas cabines da Airbus é uma mistura de ar fresco extraído de fora e ar que passou por filtros extremamente eficientes, que removem partículas transportadas pelo ar do tamanho de bactérias microscópicas e grupos de vírus. Esses filtros, chamados de High Efficiency Particle Arresters (HEPA), mostraram que podem fornecer um ar que atende aos padrões estabelecidos para salas de cirurgia de hospitais, que é renovado a cada três minutos.
O Brasil é o maior país da região e um importante parceiro regional, que continua a manter enorme potencial como mercado em crescimento. A aviação é um negócio de longo prazo e antes e depois da crise estamos convencidos: as pessoas e os produtos vão querer e ainda precisam voar. Portanto, nosso principal desafio é continuar apoiando nossos clientes para garantir esse crescimento apesar da crise, e promover a eficiência dos filtros HEPA em voo, garantindo a segurança de voar com o mínimo risco de contaminação. A aviação está no centro do crescimento econômico global. Ela cria empregos, facilita o comércio, permite o turismo e apoia o desenvolvimento sustentável em todo o mundo, portanto, a recuperação da indústria também ajudará os países a se recuperarem da crise econômica.
InforMEI – Desde 2005, a frota da Airbus no país cresceu 260% e conta com participação em duas das principais companhias comerciais em operação. Pensando na retomada econômica e, consequentemente, na recuperação das atividades do setor, quais são as projeções da empresa para o mercado brasileiro no médio prazo?
Gilberto Peralta – No momento, continuamos observando o cenário para ter mais clareza sobre a profundidade e duração da crise, porém, já estamos observando algumas tendências como as viagens aéreas domésticas se recuperando lentamente, enquanto as viagens internacionais, que operam principalmente em aeronaves de corredor duplo, demorarão mais para se recuperar.
Não esperamos que o tráfego retorne aos níveis anteriores à crise em todo o mundo antes de 2023, na melhor das hipóteses. Isso se baseia em avaliações atuais e presumindo que não haja mais crises além da que já estamos enfrentando.
O Brasil é o principal mercado de aviação comercial da Airbus na América Latina e, por meio de seus principais clientes, a Airbus tem desempenhado um papel vital no apoio à indústria aeroespacial e de aviação no país, por quase 40 anos. A Airbus está presente no Brasil há décadas, apesar dos altos e baixos da economia e da política e estamos otimistas de que o país e a região continuarão resilientes.
InforMEI – Em outra frente, a Airbus também investe na construção de satélites de telecomunicações e infraestrutura, bem como de lançadores de exploração orbital e espacial. Além do satélite de transmissão de televisão de alta definição para o Brasil, em operação desde 2017, quais as perspectivas para esse mercado, considerando o incremento da aplicação de novas tecnologias de comunicação e conectividade?
No campo espacial, a Airbus Defesa e Espaço tem fornecido equipamentos de satélite ao Programa Brasileiro de Satélites e também quase 1/2 bilhão de km² de imagens de satélite. Além disso, o Sky Brasil-1, um satélite de telecomunicações fabricado pela Airbus Defesa e Espaço para a AT&T / DIRECTV, foi lançado com sucesso em 2017 em um foguete Ariane 5.
Mostramos ao Brasil que somos um parceiro de confiança e temos compromisso com o país, independentemente das circunstâncias políticas ou econômicas. Não posso divulgar detalhes ou números específicos, mas a Airbus Defesa e Espaço tem um portfólio de plataformas e serviços que atendem às necessidades do Brasil, tanto do ponto de vista militar quanto civil.
InforMEI – Há quatro anos, a Airbus inaugurou o Centro de Treinamento Airbus Brasil (ABTC), em Campinas (SP), equipado com simulador de voo para que os profissionais sejam preparados a pilotar aeronaves da família A320. Na sua opinião, quão importante é modernizar os currículos de engenharia das universidades brasileiras, a fim de formar profissionais cada vez mais bem preparados para o mercado e para as necessidades da indústria, em especial a indústria aérea? Quais são as principais demandas para os cursos que formam profissionais para esse setor?
Gilberto Peralta – Inauguramos o Brazil Training Center na UniAzul em 2017, oferecendo treinamento em simulador do A320. Ao estabelecer centros de manutenção e treinamento locais, a Airbus está apoiando a demanda de seus clientes com serviços de treinamento de voo e manutenção, o que também nos permite impulsionar diretamente o crescimento e a produtividade de nossos clientes. O Brazil Training Center da Airbus define o padrão de trabalho com as autoridades da aviação e as principais companhias aéreas em todo o país para que sirva como um Centro de Excelência não apenas para outras operações de treinamento no Brasil, mas para a América Latina.
A Airbus tem fornecido treinamento para a região principalmente a partir de seu centro de treinamento baseado em Miami, mas, com os centros do Brasil e do México, ajudará a atender ao crescimento de longo prazo em mercados em expansão como o Brasil.
InforMEI – Recentemente, o senhor foi nomeado presidente do Conselho da Helibras, subsidiária da Airbus e única fabricante de helicópteros no Brasil, onde mais da metade da frota é utilizada pelo mercado civil. Como a crise impactou os negócios da Helibras e quais oportunidades puderam ser criadas com foco na retomada e ganho de outros mercados, como o de defesa?
Gilberto Peralta – Em 2019, tivemos um impulso progressivo do mercado devido às reformas governamentais, que deram um resultado de vendas muito positivo em vários anos, principalmente no mercado civil. Ao todo, vendemos 17 aeronaves. Em 2020, assim como no cenário absoluto global, as vendas foram afetadas pela pandemia do coronavírus. Os clientes viram uma desaceleração da economia e uma queda do real. Naturalmente, também notamos uma redução na demanda. No mercado corporativo o cenário é mais certo e positivo, mas ainda depende muito do panorama econômico.
O que temos percebido é uma retomada gradual de alguns setores, como luxo, impulsionada pelas vendas recentes de helicópteros da linha Airbus Corporate Helicopters (ACH), e agronegócio. Em todo o caso, o nosso departamento de Suporte e Serviços tem desempenhado um papel importante na atual conjuntura, prestando todo o apoio técnico aos operadores e garantindo a disponibilidade da frota, principalmente relacionada com os serviços essenciais, em todo o país.
Para este ano temos expectativas positivas, uma vez que a nossa atividade não se limita ao mercado de venda de aeronaves, mas também oferecemos serviços de manutenção para apoiar as operações dos clientes, assim como serviços de formação.
InforMEI – Vimos a crise impor desafios, mas também oportunidades de aplicação de inovação tecnológica, tanto de processos, quanto de produtos. Por que investir em inovação em um momento tão crítico deve ser visto como melhor estratégia para superar grandes crises?
A inovação está no DNA da Airbus. A Airbus detém aproximadamente 37.000 patentes e investiu mais de € 30 bilhões em P&D desde 2000. Como uma fabricante líder de aeronaves, estamos sempre buscando aprimorar nossos produtos, mantendo-os na vanguarda da tecnologia. A redução das emissões de CO2 e a melhoria do desempenho ambiental das nossas aeronaves sempre foram um requisito importante para o projeto e fabricação de qualquer nova aeronave e uma parte essencial das inovações incrementais de produtos da Airbus. Mas, embora tenhamos um grande histórico de redução de emissões, estamos cientes de que isso não será suficiente. Nossa ambição é levar ao mercado a primeira aeronave com emissão zero do mundo até meados da década de 2030. E estamos convencidos de que uma aviação sem impactos para o clima e com emissão zero não é apenas possível, mas alcançável em nossa geração.
Nosso trabalho com o voo elétrico e células de combustível de hidrogênio lançou as bases para uma futura aeronave comercial sem impactos para o clima e com emissão zero. Assim como o extenso trabalho de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que temos incentivado nas últimas duas décadas com projetos como o Vahana, conceitos e VTOL para Mobilidade Aérea Urbana (CityAirbus e VTOL estão atualmente passando por testes de voo em Manching, Alemanha) e o Projeto E-Fan X.
A aviação é uma indústria de longo prazo. Devemos agir agora para garantir que o futuro da indústria da aviação seja sustentável e tenha os produtos certos para atender às necessidades atuais e futuras dos clientes.
PERFIL
Gilberto Peralta ingressou na GE em 1980 como engenheiro de processos, empresa onde trabalhou por 39 anos. Em seguida, teve passagens na GE na Itália e nos Estados Unidos, antes de se tornar vice-presidente da GE Aviation para o programa Airbus da empresa na França. Em 2006, Gilberto Peralta foi nomeado Gerente Geral da GE Capital Aviation Services para a América Latina e o Caribe. Além dessa função, foi nomeado CEO da GE Brasil em agosto de 2013 – cargos acumulados até junho de 2017. Em agosto de 2018, foi nomeado diretor do Conselho da Azul Airlines. Em julho de 2020, foi nomeado presidente do Conselho da Helibras (Airbus Helicopters Brasil). Em setembro de 2020, assumiu o cargo de presidente do Grupo Airbus para o Brasil.
Gilberto Peralta é graduado em Engenharia Civil e Mecânica pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Também fez todos os cursos de gestão na GE University.