Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) desde março de 2023, Celso Pansera garante que vai agilizar os processos de financiamentos de projetos e otimizar o uso dos recursos disponíveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
“A liberação da totalidade do FNDCT nos permite ter a perspectiva de trabalharmos, no mínimo, com R$ 5 bilhões neste e nos próximos três anos para o financiamento da inovação”, afirmou em entrevista para o InforMEI. Pansera também disse que, em breve, deve anunciar uma redução no spread que a Finep cobra para esses empréstimos e que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve regularizar a destinação de 1,5% dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para empréstimos à área científica.
Pansera reconheceu que a Finep esteve ausente das universidades, dos centros de pesquisa e do setor produtivo nos últimos seis anos e que tem o desafio de liderar o movimento de retomada da agência como promotora do fomento público para a ciência e a inovação no Brasil.
Natural do Rio Grande do Sul, Pansera foi ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação de Dilma Rousseff, onde atuou entre 2015 e 2016, e ajudou na criação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – a norma promoveu uma série de ações para o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, com o objetivo de aproximar a universidade e o setor privado. Pansera também trabalhou para a aprovação da Lei Complementar 177 de 2021, que alterou o FNDCT.
InforMEI: A Finep sempre foi considerada estratégica para promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por ter essa característica de fomento público à pesquisa, tecnologia e inovação. O que podemos esperar da agenda de inovação da agência nos próximos anos? Terá algum foco específico?
Pansera: A Finep cumpre historicamente um papel dos mais relevantes para a inovação no Brasil. Esse papel tem sofrido solavancos – há períodos em que ele é mais arrojado, enquanto em outros isso fica bastante reduzido, com expectativas muito baixas.
Nos últimos seis anos a Finep, de fato, andou bastante ausente na forma de atuar para cumprir o seu papel e a economia brasileira se ressentiu disso. Tanto que houve um recuo nos índices e rankings globais de inovação. Nossa ação agora tem alguns eixos que são aderentes ao programa do governo. Primeiro é trabalhar em cima dos projetos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) em que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) participa e que tem participação de muitos membros da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI).
É nos eixos definidos [pelo CNDI] que atuaremos junto ao governo e a atores da indústria para trazer um novo momento para inovação brasileira. Além disso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) definiu quatro eixos estruturantes de atuação e um deles é bem claro e aderente a esse programa, que é a questão da nova industrialização, a neoindustrialização do Brasil, que também está dentro do CNDI.
E tem um eixo que é transversal a isso tudo – que a MEI chama de descarbonização da economia e que o governo chama de sustentabilidade –, que é o de aproveitar essa grande vocação econômica que o Brasil tem de produzir energia limpa.
InforMEI: A Finep tem planos para determinados setores, como saúde ou inteligência artificial, por exemplo? Ou está aberta a todos os interessados em promover a inovação no Brasil? Como será construída essa política de inovação da Finep nos próximos anos?
Pansera: Nós temos alguns eixos que são determinados pelas ações do governo e que trabalharemos junto a elas. Existem algumas questões que são bem claras e que o governo já definiu: uma delas é fazer um esforço para que 70% do que é consumido pelo SUS seja produzido no Brasil.
A questão da inteligência artificial tem que ser acelerada, porque é uma novidade que vem com força no mundo todo e deu um salto muito grande nesse último período. Além disso, tem comunicação quântica, física quântica e computação quântica, que é uma nova era no processamento de transmissão de dados. Precisamos estar dentro disso e faremos um esforço muito grande para que isso aconteça.
Tem um outro eixo que a gente está desenvolvendo – e avançamos muito nessas últimas semanas – que é montar um sistema de compras públicas para inovação. Ou seja, a gente pega parte daquilo que os governos federal, estaduais e municipais já usam para financiar o seu funcionamento e lança contratos ou desafios de risco para promover novos produtos, sistemas e serviços. Existe uma legislação brasileira que dá suporte a isso, mas nós temos que avançar e aprender a usar essa legislação.
InforMEI: Embora o Brasil seja um país grande, com destaque econômico no cenário internacional, tem dificuldade em melhorar sua posição no ranking global de inovação, deixando o país distante da rota de inovação global. Como a Finep pode ajudar a melhorar essa situação?
Pansera: Essa questão do posicionamento do Brasil nos rankings internacionais de inovação é preocupante. Nos últimos anos o Brasil avançou muito do ponto de vista de criar uma infraestrutura de produção de ciência bastante complexa, sofisticada, à altura do tamanho e das necessidades do país. Mas, em relação ao transbordamento disso para o sistema produtivo em produtos inovadores, sistemas e serviços, isso o Brasil não conseguiu transpor. Temos que fazer um enorme esforço para isso.
A CNI e a MEI apontam uma plataforma – a SOSA [empresa global de inovação aberta] – para tentar criar convergências e facilidades para esse ambiente no Brasil. Nós achamos que, de fato, o caminho é por aí.
InforMEI: Em sua opinião, quais políticas podem ser adotadas para inserir o Brasil na cadeia global de inovação e conseguir fazer com que a indústria brasileira consiga se conectar com a indústria 4.0?
Pansera: Acredito que nós precisamos ter missões claras e desafios claros; missões bem definidas daquilo que nós queremos para economia brasileira, a economia inovadora do Brasil. O CNDI já aponta sete eixos que vão nesse sentido de ter missões do governo. Acredito que nós precisamos ampliar esse debate. Esses eixos foram aprovados recentemente com a participação do governo e do setor privado na reunião do CNDI. Eu acho que esse é um bom caminho.
No ano que vem, nós teremos a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e podemos aproveitar a oportunidade de fazer um bom debate sobre quais são as missões que devemos determinar para a economia brasileira se inserir nesse âmbito da economia global 4.0. Ainda tem o Congresso Internacional de Inovação da Indústria no mês de setembro. São momentos que nós precisamos aproveitar para fazer uma reflexão e ajudar a definir quais são as missões em que o Brasil pode atuar.
Para mim, parece que a ideia de ter missões está consolidada entre os atores. O que precisamos agora é ter certeza de quais são as nossas missões e, a partir daí, torná-las tarefas de nação; ações da nação e não de governo, para que consigamos transpor esse momento de indecisão, esse momento de letargia, para um momento bastante positivo e com muito vigor da entrada ou retomada do Brasil no seu papel na cadeia global de inovação 4.0.
InforMEI: Nos últimos anos a ciência e a inovação brasileira encontraram barreiras, principalmente quanto a recursos. Fundos foram contingenciados, as carteiras de crédito para inovação sumiram do mercado. Na sua opinião, o cenário é de melhoria? Por quê? Os recursos do FNDCT serão realmente utilizados em prol da ciência?
Pansera: Nós temos sinais claros de que a economia brasileira retoma seu fôlego e que começa a adquirir um norte, adquirir uma noção daquilo que a gente precisa. O governo tem apontado alguns caminhos: por exemplo, essa firmeza em não abrir as compras públicas para as empresas de países estrangeiros a participarem em igualdade de condições com a indústria brasileira e com a economia brasileira. Já é um fato que está andando nesse sentido e isso é bom.
Outra questão é o descontingenciamento do FNDCT. É uma conquista da comunidade científica e do setor empresarial brasileiro que uniram forças para aprovar a Lei Complementar 177, mas também é um esforço do governo de executar essa lei, botando-a em prática, liberando a totalidade dos recursos.
Tem também a novidade da lei sancionada pelo governo Lula de que 1,5% dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) também podem estar disponíveis a taxas TR. Ou seja, com isso a gente consegue, de certa forma, colocar recursos baratos no mercado no momento em que o Banco Central insiste em manter as taxas de juros elevadas.
Nesse sentido, eu acho que nós estamos iniciando um momento bom. A volta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial é um bom sinal. As reuniões do Conselho Diretor do FNDCT indicam que nós teremos um processo interativo: governo, academia e iniciativa privada.
Além disso, eu aponto mais dois caminhos: o primeiro é a questão das compras públicas para inovação – temos que ter um programa bem claro nesse sentido, destinando recursos do governo para contratos de inovação. O outro é a gente aprovar, na Câmara e no Senado, a lei que destina 25% do Fundo Social do Pré-Sal para ciência, tecnologia e inovação. Seria como termos um novo FNDCT disponível para o setor, o que traria um grande impulso.
InforMEI: A Finep contabilizou, no primeiro semestre de 2023, R$ 2,1 bilhões em operações de crédito destinadas ao financiamento de cerca de 200 projetos de tecnologia e inovação de empresas brasileiras de todos os portes e o valor foi comemorado pelo mercado e pelo governo. O senhor pode nos explicar o que pode ter levado a esse incremento nas operações de crédito?
Pansera: Nós estamos fazendo um grande esforço para atingirmos a meta de liberar R$ 5 bilhões em financiamento para inovação neste ano na Finep. Isso tudo é possível porque temos perspectiva de recursos para isso. A liberação da totalidade do FNDCT nos permite ter a perspectiva de trabalharmos, no mínimo, com R$ 5 bilhões neste e nos próximos três anos para o financiamento da inovação. E o melhor: à taxa de TR, que era uma reivindicação antiga do setor produtivo nacional encabeçada pela CNI e pela MEI e que o governo atendeu no início deste ano.
Hoje podemos ter taxas de financiamento a 2% de TR. A Finep está fazendo um estudo e deveremos anunciar em breve uma redução significativa também no spread que a Finep cobra para esses empréstimos.
InforMEI: Qual o objetivo de liberação de crédito nos próximos anos? Como se dará essa liberação e a execução? Como será a divisão de recursos reembolsáveis e não reembolsáveis?
Pansera: Há uma reivindicação muito forte da academia de redução dos valores reembolsáveis e ampliação da participação dos não reembolsáveis dentro do FNDCT. Nós também concordamos com isso, especialmente se a gente conseguir que parte significativa desses recursos – que ampliará os não reembolsáveis – se destine a subvenção de empresas em projetos junto com a com a academia.
De qualquer forma, como a perspectiva é de ampliação da totalidade dos recursos do FNDCT, mesmo com a redução significativa da parcela dos não reembolsáveis, com mais estoque que a própria Finep tem, podemos dizer que continuaremos com um bom volume de recursos para emprestar a taxa de TR.
Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não regulamentou, mas em breve vai regulamentar a destinação dos recursos de 1,5% do FAT a taxa de TR. Nós temos a expectativa que esses recursos serão liberados dentro de um alinhamento e aderência às linhas definidas pelo CNDI e pelo governo daquelas que são as mais inovadoras e mais aderentes ao programa de governo, como nós usamos na Finep. Ou seja: quanto mais inovadores e quanto mais sustentáveis são os projetos, maior a taxa de valor de participação da Finep no financiamento e maior também a carência para o início do pagamento do valor financiado, assim como é menor a taxa administrativa ou do spread que a Finep compra.
Já estamos conversando com o BNDES sobre isso, aguardando a CVM se posicionar sobre essa questão dos recursos do FAT à taxa TR para, a partir daí, anunciar um grande pacote de financiamento e inovação em conjunto com o BNDES.
InforMEI: Um desafio que os empresários dizem ter em relação ao acesso aos recursos de fomento é o tempo de análise e de aprovação dos projetos. O prazo desde a submissão da proposta até a assinatura do contrato de financiamento já chegou a durar 300 dias na Finep. Como estão os prazos atuais? Como a Finep tem diminuído esse prazo e o que pretende fazer para auxiliar as empresas e centros de pesquisa que pretendem investir em inovação?
Pansera: Nós estamos atuando em diversos eixos para acelerar a análise e a aprovação de projetos.. Primeiro, nós tornamos as reuniões da diretoria da Finep mais ágeis. Todos os projetos que chegam na diretoria para o aval técnico, tanto em primeira quanto em segundo análise, nós estamos aprovando na própria semana.
Segundo, conversamos muito com os técnicos da Finep para que consigamos bater a meta dos R$ 5 bilhões por ano.
Terceiro, estamos publicando o edital de concurso para contratar 27 novos analistas para a Finep. Já em agosto devemos propor ao Conselho de Administração a solicitação de um número maior de servidores a serem chamados do concurso. A ideia é ampliar o quadro da Finep. Estamos fazendo um estudo de como transformar a Finep para ter uma relação mais horizontalizada internamente com o objetivo de agilizar esses processos. Um outro eixo que estamos atuando também é na questão das garantias, que é um grande gargalo. Já assinamos e devemos anunciar em breve o nosso acordo do fundo garantidor com o Sebrae. Vamos estruturar outras iniciativas nesse sentido.
Também estamos fazendo um trabalho com as pequenas agências e os bancos regionais, ampliando a nossa relação com os agentes descentralizados que estão lá na ponta conversando cotidianamente com as empresas, com os empreendedores e com os inovadores. São ações que nós já estamos somando e caminham no sentido de reduzir o tempo de análise dos projetos e facilitar o processo das empresas de acesso às nossas linhas de crédito.
De resto, gostaria de dizer que estamos à disposição da CNI e dos empresários da MEI para interagir naquilo que for possível da nossa parte e que estaremos, em setembro, juntos no Congresso Internacional de Inovação da Indústria, esse grande evento da inovação brasileira que tende a ter impacto global cada vez maior e que será ponto fundamental de inflexão para que o Brasil se insira na cadeia global de inovação da indústria 4.0.