Pioneiro no Brasil, o Centro de Inteligência Artificial (C4AI), com sede na Universidade de São Paulo (USP), completa dois anos de existência, em 2022, com um legado: mostrar que a união entre empresa e academia pode fortalecer áreas de pesquisa essenciais à inovação de um país. A criação do C4AI ainda produz um efeito em cadeia positivo ao Brasil por servir de base para outras iniciativas do gênero. Em um plano macro, atua como modelo para a formação de uma política nacional com foco em Inteligência Artificial (IA). Depois do C4AI, já foram lançados mais editais para a criação de outros seis centros de Inteligência Artificial.
A Inteligência Artificial está cada vez mais na base da inovação mundial, capaz de adentrar comércio, indústria, manufatura, ciências e, principalmente, produção de conhecimento. No entanto, embora a IA seja um elemento cada vez mais central nos processos inovativos, o Brasil ainda está longe de ser uma referência no assunto em termos mundiais.
Segundo rankings internacionais sobre o tema, como o AI Ranking, o Brasil é o 19º, entre 47 analisados, em publicações sobre IA. Em outro ranking, feito pela consultoria Oxford Insights, o Brasil ocupa a 40ª posição entre 160 países em um índice que leva em consideração a atuação governamental, o índice de tecnologia e a infraestrutura.
Dados do Observatório de Políticas em Inteligência Artificial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que, em 2021, o Brasil totalizou cerca de US$ 1,1 bilhão em investimentos de venture capital em IA. Já nos Estados Unidos, país que lidera o ranking de investimentos, a soma foi de cerca de US$ 106,7 bilhões.
Devido ao distanciamento de países que lideram pesquisas em IA, como Estados Unidos, China, Japão e Alemanha, especialistas concordam que o Brasil precisa incrementar e criar mais centros de pesquisas do gênero, que foquem, sobretudo, em áreas estratégicas para o país e que dificilmente serão desenvolvidas por outros centros ao redor do mundo.
O C4AI é uma parceria da IBM, Universidade de São Paulo (USP) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e sua sede funciona no prédio do Centro de Pesquisa e Inovação (InovaUSP), localizado no campus da USP, em São Paulo. Já existe uma espécie de filial do Centro na USP São Carlos, além de grupos em outras unidades da USP, como Ribeirão Preto e Piracicaba, assim como em universidades parceiras, como a Unicamp, a FEI e a PUC-SP.
O C4AI foi criado a partir de um edital da Fapesp e IBM, em que a USP foi a selecionada para a gestão dos projetos. Atualmente, o Centro conta com cerca de 200 pesquisadores – começou com 50. Os valores de investimento dos parceiros são de US$ 500 mil por parte da Fapesp e US$ 500 mil da IBM, por ano. A USP investe cerca de US$ 1 milhão por ano em instalações físicas, laboratórios, professores, técnicos e administradores para gerir o Centro. Pelo edital, a previsão é de até 10 anos de duração do projeto e ele pode ser avaliado regularmente, e renovado o financiamento. Atualmente, o Centro tem parcerias também com outras empresas.
“A importância do Centro para o Brasil é muito grande. Não é só porque ele é o primeiro. É porque ele cria um ambiente que nós não temos em outros lugares. O sistema de inovação brasileiro deveria ser assim: amigável às empresas, premiar as que inovam, ser simplificado e sem burocracia. Você vai olhar, é o oposto”, argumenta Glauco Arbix, professor da USP e coordenador da área de Humanidades do C4AI.
Na visão do gerente da área de pesquisa da IBM no Brasil e diretor adjunto do C4AI, Claudio Pinhanez, o Centro conseguiu reunir pesquisas que estavam dispersas dentro da universidade e agregar temas de IA essenciais para o Brasil. No entanto, ele pondera que o Centro é apenas um começo, que é preciso uma política de estado em porte significativo para o Brasil se destacar em relação à Inteligência Artificial.
“A gente não vê o Centro como um lugar para desenvolver tecnologia específica para a IBM. É um Centro para desenvolver a área no Brasil. Para desenvolver o mercado no Brasil. É um investimento básico em ciência, na universidade, para ajudar a crescer esse mercado”, afirma.
“Lógico que, com o escopo financeiro do Centro, a gente não consegue resolver o problema (do Brasil em relação à IA em comparação com outros países). O que a gente mostrou é uma maneira de organizar essa pesquisa, que funciona. Quando se fala em IA, a gente precisa ter outras escalas de investimento, dos diversos órgãos que fazem investimentos em universidades, principalmente governo, e outras empresas também que estão nesse mercado”, acrescenta Pinhanez.
Arbix, da USP, destaca que o diferencial do Centro está na interdisciplinaridade, na relação universidade, empresa e outros setores sociais. “Cada vez mais é fundamental você ter não somente aproximação empresa-universidade, como também uma aproximação entre as áreas de ciência da computação, da estatística, da matemática, com as áreas de humanidades. Cada vez mais você precisa de psicólogos, de sociólogos e de antropólogos para fazer uma ciência de tecnologia de vanguarda”, explica.
“Nosso Centro é muito consciente disso, por isso, ele é multidisciplinar e multi-institucional. Multidisciplinar porque pega gente de todas as áreas e disciplinas, e multi-institucional porque traz a IBM e outras empresas para trabalharem conosco, traz ONG, gente de governo, várias instituições juntas”, complementa.
Áreas de interesse
O C4AI trabalha atualmente com cinco desafios centrais de interesse para demandas brasileiras. Um deles é o Processamento de Linguagem Natural para o português, que visa aumentar a disponibilidade de ferramentas e dados para treinar sistemas de diálogo em português. O objetivo é o de habilitar o processamento de linguagem natural de alto nível para o português do Brasil, assim como já existe para outros idiomas, possibilitando sua melhor aplicação em demandas como, por exemplo, os serviços de atendimento ao cliente, o treinamento de assistentes virtuais e o monitoramento de redes sociais. O aprimoramento das ferramentas em português também é capaz de possibilitar a análise e a extração de conhecimento de grandes fontes de dados.
Outra área temática é o Knowledge-Enhanced Machine Learning, isto é, aprendizado de máquina integrado ao conhecimento com foco na Amazônia Azul (Blue Amazônia Brain). Neste caso, os estudos abordam questões sobre a Amazônia Azul, vasta região do oceano Atlântico na costa brasileira rica em biodiversidade e recursos energéticos.
Uma terceira frente é focada na agricultura, cujo objetivo é desenvolver modelos de causa e efeito para processos de tomada de decisão com incerteza para o setor agrícola. Também há foco na área médica com dois objetivos: o primeiro é o de melhorar o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação de pacientes de Acidente Vascular Cerebral (AVC), com técnicas de análise de redes complexas em dados multimodais. E, a segunda, com foco em investigar formas de melhorar a escolha de protocolos de reabilitação em casos de AVC.
Por fim, há uma frente de estudo centrada na análise de IA em países emergentes. Inicialmente, o C4AI está focando em pesquisas relacionadas às políticas públicas para a Inteligência Artificial e à coleta e análise de dados sobre o impacto da IA nos empregos e no futuro do trabalho.
Na visão de Pinhanez, da IBM, o Brasil precisa liderar áreas de pesquisas em IA de grande interesse para as atividades desenvolvidas no país. “Tem áreas que ou a gente faz no Brasil ou ninguém vai fazer. Por exemplo, a gente fala em cadeias de segurança alimentar, ninguém vai fazer. Não adianta esperar que os Estados Unidos e a Europa façam isso, eles não vão fazer. A gente está tentando focar em temas que são estratégicos – para o mercado, para o Brasil e para a IBM – e que, ao mesmo tempo, sejam temas que não tenham cobertura ou desenvolvimento grande fora do Brasil”.
Mais centros
A criação do C4AI foi um pontapé em uma área de pesquisa que precisa crescer no Brasil. Por isso, em maio de 2021, a Fapesp, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) escolheram, via edital, projetos para a constituição de Centros de Pesquisas Aplicadas (CPAs) em Inteligência Artificial com foco nas áreas de saúde, agricultura, indústria e cidades inteligentes. Foram escolhidos projetos da USP, UFMG, Senai/Cimatec, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Unicamp e Universidade Federal do Ceará.
Segundo a Fapesp, serão disponibilizados R$ 1 milhão por ano para cada um dos novos centros por um período de até 10 anos. Valor idêntico será aportado pelas empresas parceiras, totalizando R$ 20 milhões por centro.