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Licenciamento ambiental: precisamos de um marco regulatório

por Marcos Abreu Torres

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EDIÇÃO 8 - OUTUBRO 2019
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O Brasil ocupa posições abaixo do seu potencial nos rankings globais de competitividade das economias: no relatório Doing Business, do Banco Mundial, estamos na 109ª colocação entre 190 países analisados; já no relatório Global Competitiveness Report, do Fórum Econômico Mundial, ocupamos a 81ª posição entre 140.

O quadro piora quando estratificamos esses relatórios nos quesitos diretamente relacionados ao licenciamento ambiental. Embora não exista um indicador específico, é possível constatar sua precariedade por meio de outros parâmetros: no quesito obtenção de licenças e permissões, o primeiro relatório nos posiciona na 175ª colocação; quanto ao ônus da regulação do poder público, o outro relatório nos coloca em último lugar!

A infraestrutura é, certamente, o setor que mais sofre com essa situação, resultando em baixos investimentos públicos e privados (por causa da crise fiscal, da insegurança jurídica, entre outros fatores). O prejuízo é geral, pois somente com a infraestrutura bem montada é possível alavancar o desenvolvimento social e econômico, atraindo investimentos, gerando externalidades positivas como emprego, renda, tributos e bem-estar e facilitando a produção e a distribuição de bens e serviços.

A melhoria na infraestrutura requer a realização de obras, que por sua vez dependem de licenças ambientais.


Processo administrativo técnico

O licenciamento ambiental, em especial o de obras de grande apelo socioeconômico, como as de infraestrutura, tem se caracterizado como um processo onde mal se sabe como se inicia, e nunca se sabe como termina. Há nítida polarização de interesses entre os atores envolvidos no processo. O erro é canalizar essas divergências (por vezes inerentes e legítimas) para um ato administrativo que deveria se pautar por critérios técnicos e jurídicos.

O meio ambiente não é bem público nem privado, mas sim bem de uso comum do povo, o que significa que é o povo, diretamente ou por meio dos seus representantes eleitos, quem tem a primazia da opção política de decidir como conservar e utilizar sustentavelmente os recursos naturais disponíveis.

O licenciamento ambiental nada mais é do que um processo administrativo no qual o órgão competente aprova ou não a viabilidade de determinado empreendimento ou atividade com a legislação. Trata-se, juntamente com o posterior monitoramento, de ato de controle de etapa, a ser precedido por planejamento e regulação. Não se pode esperar do licenciamento a solução de passivos preexistentes ou a redistribuição de direitos e obrigações não previstos em lei.

O desprezo por essas premissas transformou o licenciamento ambiental em um balcão de negócios, onde todos sentem-se legitimados a pedir o que quiser. Passivos sociais, anseios públicos e privados, tudo isso acaba sendo carreado para o licenciamento, aumentando a pressão sobre o órgão licenciador e sobre o empreendedor.


A discussão no Congresso

O Congresso Nacional está ciente da necessidade de aprovação de um marco regulatório para o licenciamento ambiental, e vem discutindo com a sociedade há quinze anos, por meio do Projeto de Lei (PL) nº 3.729/04. Os debates se aprofundaram ainda mais em 2019, com a criação do grupo de trabalho coordenado pelo deputado Kim Kataguiri, que mobilizou dez audiências públicas sobre o assunto, privilegiando sempre a busca pelo consenso.

Todos os setores foram ouvidos e as ideias evoluíram consideravelmente. Não obstante ainda poder sofrer ajustes pontuais, o PL da Lei Geral do Licenciamento Ambiental encontra-se em avançado estágio de maturação legislativa e promete dar generosa contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Seu conteúdo é promissor ao estabelecer premissas que darão maior segurança jurídica aos agentes públicos e privados. Por exemplo: as decisões estarão lastreadas em instrumentos de gestão ambiental e de ordenamento territorial, como a avaliação ambiental estratégica e o zoneamento ecológico-econômico; os empreendedores não poderão mais ser obrigados a suprir a omissão estatal na prestação de serviços públicos; não haverá discricionariedade para definição de condicionantes alheias aos impactos identificados nos estudos técnicos; a manifestação de outros órgãos interessados poderá ser revista pelo órgão licenciador, garantindo-se sua autonomia no processo; a adoção de tecnologias e medidas mais limpas do que as exigidas pela legislação é incentivada; o agente público não será mais responsabilizado criminalmente caso sua interpretação da legislação ambiental não coincida com a do membro do Ministério Público; permite a racionalização do licenciamento trifásico, reduzindo procedimentos desnecessários; entre outros avanços.


Não existe “guerra ambiental”

Dentre as opiniões contrárias ao PL, destaca-se o argumento de que promoveria um “desmonte regulatório” ao permitir que os Estados e Municípios definam quem estará sujeito ao licenciamento ambiental e como isso será feito. Alertam para o risco de uma “guerra ambiental”, similar à fiscal, na qual as autoridades locais relaxariam as exigências ambientais de modo a atrair indústrias e investimentos.

Esta teoria, na prática, não se confirma: há inúmeros casos de leis estaduais mais exigentes, do ponto de vista ambiental, do que a norma nacional (basta lembrarmos das leis estaduais sobre o uso do amianto, organismos geneticamente modificados etc).

Estudo realizado no Estado de Goiás concluiu que a concentração de indústrias no eixo Catalão-Goiânia está diretamente relacionada à presença de infraestrutura (rodoviária e ferroviária) e à proximidade da capital do Estado e de um mercado consumidor robusto, e não à existência de uma legislação ambiental local supostamente leniente.

Ou seja, a questão ambiental não determina se uma indústria optará pelo estado A ou B. É impensável supor que o empresário decida se instalar em determinado local visando usufruir de uma legislação ambiental supostamente conivente, que lhe permitisse poluir. Ele sabe que a poluição indica uma ineficiência no seu processo produtivo, um desperdício de energia e de matéria-prima, principalmente em um momento em que a economia circular, que demanda uma produção sustentável, está em voga. Ademais, eventuais deslizes certamente encontrarão reações das autoridades fiscalizadoras (órgãos ambientais federal, estadual e municipal, além do Ministério Público) e da sociedade civil (consumidores e fornecedores, opinião pública, organizações não-governamentais).

A legislação ambiental é formada por diferentes camadas: à União cabe “estabelecer normas gerais” para a proteção do meio ambiente e o controle da poluição, na forma do art. 24, inciso VI, § 1º, da Constituição. Os Estados e Municípios poderão suplementá-las, de acordo com suas peculiaridades.

A construção da legislação ambiental não se encerra nos Poderes Legislativos: enquanto as leis definem os direitos e as obrigações, as normas regulamentares encarregar-se-ão das questões técnicas e procedimentais. Caberá, portanto, aos respectivos Poderes Executivos e aos órgãos ambientais regulamentar as normas gerais e suplementares, de modo a lhes conferir fiel execução.

Assim, e de acordo com a Constituição e com a Lei Complementar nº 140/2011 (LC 140), que fixou normas para a cooperação entre os entes federados na proteção do meio ambiente: a) à União cabe definir as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será de competência do Ibama; e b) os Conselhos Estaduais do Meio Ambiente definirão as tipologias de impacto ambiental local, cuja competência licenciadora recairá aos Municípios, bem como as tipologias residuais, cujos respectivos órgãos ambientais estaduais terão a incumbência de licenciar.

Com base nessa lógica estabelecida pela legislação vigente, andou bem o PL ao respeitar as competências estabelecidas pela LC 140 para definição das tipologias. Do mesmo modo, é fundamental que seja mantida a regra que permite que cada ente federado defina os ritos e procedimentos para o licenciamento ambiental dos seus respectivos órgãos.

O Congresso precisa dar o passo final e aprovar a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. É bom para o país, é bom para todos.

 

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Marcos Abreu Torres é advogado da CNI

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