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Abertura do mercado de aviação civil a empresas com capital estrangeiro

por Alexandre Vitorino Silva

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EDIÇÃO 6 - ABRIL 2019
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I – OBJETO

1Consulta acerca da constitucionalidade e conveniência para o setor produtivo da aprovação de medida provisória (MPV nº 863, de 13 de dezembro de 2018) que altera o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) para permitir a concessão ou autorização da delegação de serviços públicos de transportes aéreos outorgada a pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, sem a necessidade de participação mínima de capital votante brasileiro.

2Eis o teor da proposição:

"Art. 1º  A Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar com as seguintes alterações:

'Art. 181.  A concessão ou a autorização somente será concedida a pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.'

Art. 2º  Ficam revogados os seguintes dispositivos da Lei nº 7.565, de 1986:

I - os incisos I a III do caput e os § 1º a § 4º do art. 181; e

II - os art. 182, art. 184, art. 185 e art. 186.

Art. 3º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação."

3Anteriormente, como se sabe, o CBA, no art. 181, somente autorizava a outorga do serviço público a pessoa jurídica cujo capital votante observasse a proporção mínima de 4/5 de participação de brasileiros, bem como condicionava a outorga à aprovação prévia da autoridade aeronáutica.

É o breve relatório da consulta, no que interessa.


II – ANÁLISE

4Não se divisa inconstitucionalidade formal na medida provisória sob exame, porquanto os pressupostos de urgência e relevância para o exercício atípico de competência legislativa pelo Executivo se encontram presentes na espécie, em estrita consonância com o preconizado pelo art. 62 da Carta Política.

5Não é segredo o cenário pouco alvissareiro vivenciado pelas companhias aéreas que operam no Brasil.

6Sabe-se que, ano após ano, as concessionárias de serviço de transporte aéreo no Brasil vêm experimentando prejuízos, tendo, recentemente, uma das maiores companhias aéreas em operação – a  Avianca – formulado pedido de recuperação judicial.

7Nesse cenário, a medida proposta pela Presidência  vem como esperada e cirúrgica resposta política à quadra de crise econômica experimentada pelas companhias aéreas que atuam no Brasil.

8Além disso, na esteira da jurisprudência do STF, é larga a discricionariedade política do Presidente da República para interpretar a existência concreta de situação de urgência e relevância hábil a justificar a adoção de medidas provisórias.

9A detecção do denominado estado de necessidade legislativo é, em boa medida, da essência da função presidencial na Constituição de 1988, que, preparada para um sistema parlamentarista, acabou se adaptando para conviver com tal instituto em um sistema presidencialista.

10Finalmente, a própria Suprema Corte vem proclamando que a censura por vício formal à adoção de medida provisória só tem cabimento se a falta de urgência ou de relevância puder ser objetivamente demonstrada, o que impõe, portanto, um critério de deferência amplo em relação ao manejo dessa competência constitucional ao Chefe do Executivo Federal.

11Superada a análise formal, no mérito, além de não conter inconstitucionalidade substancial, a proposição é benfazeja para os interesses do setor produtivo e até mesmo para os consumidores brasileiros, como se passa a demonstrar.

12Até a presente medida provisória, o setor de transporte aéreo era um dos últimos ramos da atividade econômica (lato sensu, abrangente do serviço público) em que a marca do protecionismo estava presente para a outorga de concessões e de autorizações.

13Como se sabe, até mesmo o setor de telefonia, considerado, do prisma estratégico, um dos mais sensíveis para a preservação da soberania nacional, já permite a outorga a empresas controladas 100% por capital estrangeiro. O mesmo acontece com outras atividades fortemente reguladas, como a contratação de planos de saúde.

14É de se observar, ainda, que os interesses nacionais no tocante ao serviço público de transporte aéreo restam, em princípio, preservados pela medida ora em análise, porque somente à empresa constituída sob as leis brasileiras será franqueada a execução do serviço público, na qualidade de concessionária ou autorizatária.

15Logo, com o novel art. 181 do CBA proposto, as concessionárias e autorizatárias deverão seguir as leis trabalhistas brasileiras, ter sede no Brasil, recolher impostos, submeter-se à legislação consumerista e regulatória do setor de aviação. Tudo, por sinal, em rigorosa identidade com o que ocorria, até a edição da MPV, com qualquer outro player a observar a regra máxima de participação de 1/5 de capitais estrangeiros na composição societária.

16A alteração proposta, portanto, preservará condições isonômicas entre os particulares e não colocará capitais estrangeiros em situação de superioridade a capitais nacionais investidos nas concessões e autorizações para a execução de serviços de transporte aéreo, ao contrário do sinalizado nas diversas justificações de emendas supressivas aventadas por deputados e senadores da oposição.

17Ficam abolidas, em boa hora, as anacrônicas previsões de necessidade de direção por brasileiros das companhias aéreas, bem como de limitação de participação societária a apenas 20% do capital estrangeiro votante.

18Tal modificação do marco regulatório das concessões e autorizações pode e deve incentivar um salutar influxo de investimentos para o setor da aviação, assim como contribuir para que empresas em dificuldade econômica no Brasil recebam aportes de novos capitais capazes de ajudá-las a superar o quadro atual desfavorável.

19Não convencem, nesse sentido, as propostas de emenda em sentido contrário à conversão em lei da MPV, que se escoram em um conceito por demais genérico de soberania nacional para escudar a pretensão de continuar a manter a reserva de capital brasileiro votante em patamar igual ou superior a 80%.

20Deve-se lembrar, a propósito, que, em sintonia com o modelo ora proposto, Argentina, Chile, Colômbia e Bolívia, apenas para destacar Países vizinhos cujas empresas concorrem com as que hoje operam no Brasil, não preveem restrição análoga à que hoje consta do art. 181 do CBA, de tal maneira que a concepção de soberania afirmada nas emendas está bem mais próxima de uma idiossincrasia de caráter ideológico do que de uma exigência concreta de manutenção de relação de igualdade e paridade de armas entre os sujeitos de direito público internacional.

21Feitas essas ponderações, a manutenção da reserva de capital nacional estava na contramão da concorrência com as empresas que operam nas nações vizinhas e no sentido oposto ao da tendência de transnacionalização dos investimentos, a recomendar certa revisão do conceito mais radical de soberania.

22Assim, a vetusta insistência na preservação da antiga restrição baseada na origem do capital, caso seja vitoriosa, apenas porá as empresas que operam no Brasil em condição de desvantagem competitiva no tocante à atração de capitais.

23Esse cenário, por óbvio, não atende, evidentemente, aos interesses nacionais de desenvolvimento das malhas de transporte e de melhoria das condições gerais de distribuição de produtos e serviços, ou, ainda, de criação e manutenção de empregos.

24- Permanecem em vigor, outrossim, de acordo com a MPV, as disposições do CBA que reservam a brasileiros o exercício das profissões de piloto, comissário de bordo e mecânico de aeronave.

25Daí não terem razão, igualmente, data venia, as justificativas das emendas apresentadas por parlamentares da oposição no sentido de que seria necessário alterar a proposição para assegurar que as tripulações sejam compostas, preferencialmente, por brasileiros.

26No atual contexto legislativo, tal iniciativa seria claramente redundante, pois nenhuma modificação foi proposta nesse particular pelo texto encaminhado pela Presidência da República.

27Com relação à revogação dos artigos 182, 184, 185 e 186, esta deriva de exigência técnica e lógica de preservação de juridicidade da lei alterada (manutenção da integridade do sistema do CBA), bem como encontra robusta fundamentação na exposição de motivos da MPV.

28Se não há mais preferência por capital nacional, não há sentido em que as alterações societárias sejam policiadas pela autoridade aeronáutica, ou que a outorga seja por ela autorizada.

29Convém referir a bem lançada justificação, nesse particular:

“Propõe-se ainda nesta minuta de Medida Provisória a revogação dos arts. 184, 185 e 186 do Código Brasileiro de Aeronáutica. O art. 184 estabelece que os atos constitutivos de concessionárias e autorizatárias de serviços aéreos públicos, bem como suas alterações, dependerão de prévia aprovação da autoridade aeronáutica. O art. 185 do CBA, por sua vez, determina que estas remetam no primeiro mês de cada semestre do exercício social relação completa de seus acionistas e das transferências de ações operadas no semestre anterior. Ademais, dispõe em seu § 1º que diante de tais informações a autoridade aeronáutica poderá considerar sem validade as transferências operadas em desacordo com a lei e determinar que, no período que fixar, as transferências dependerão de aprovação prévia. O art. 185 elenca em seu § 2º um conjunto de situações em que a transferência de ações dependerá de autorização prévia da autoridade aeronáutica. O art. 186, por fim, trata da possibilidade de fusão ou incorporação de empresas aéreas - aspectos já tratados em legislação mais recente.”

30Finalmente, a abertura de capital promovida pela MPV vem ao encontro de recomendações do CADE, da ANAC e do próprio TCU, que já destacaram, institucionalmente, cada qual no seu campo de competências, como a franquia do setor de transporte aéreo ao capital estrangeiro, com a revogação da previsão de controle mínimo de 4/5 do capital votante por brasileiros, seria capaz de gerar eficiência nesse mercado.

31Os efeitos benéficos mapeados da “abertura dos céus” são vários, notadamente a promoção de ambiente concorrencial, a potencial queda de preços das tarifas praticadas, bem como a maior capilarização e interconexão das rotas nacionais com rotas internacionais.

32À luz do exposto, a proposição está afinada com as premissas liberais que vêm inspirando a CNI a propugnar por medidas que permitam o desenvolvimento de serviços públicos mais eficientes, baratos, capazes de atender às demandas de distribuição do setor produtivo e também dos consumidores brasileiros, merecendo os encômios da Entidade e seu apoio para que venha a ser convertida em lei ordinária, observado o processo legislativo constitucionalmente delineado, de forma especial, para a tramitação das medidas provisórias.

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III – CONCLUSÃO

33Por todo o anteriormente descrito, o parecer é no sentido de que a CNI endosse a proposição e a conversão da MPV em análise em lei ordinária, por se tratar de medida constitucional e conveniente para o setor produtivo e para os consumidores brasileiros em geral.

 

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Alexandre Vitorino Silva é advogado da CNI

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