Tokens para ativos ambientais digitais
por Julio Cesar Moreira Barbosa
EDIÇÃO 30 - NOVEMBRO 2024
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
Regulamentação de serviços e operações envolvendo tokens para ativos ambientais digitais - Procedimentos e incentivos para a promoção da transparência, sustentabilidade e inovação.
I- Objeto
1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei 3434/24 (PL) que, a pretexto de mobilizar recursos financeiros para a conservação e restauração ambiental, cria o marco normativo relacionado à criação, emissão, o registro e comercialização e gestão de tokens para ativos ambientais.
2- A proposta pemitiria a criação de ativos ambientais digitais, sob a forma de token de conservação e token de carbono, representativos de “direitos ou quotas sobre recursos naturais, serviços ecossistêmicos, projetos de conservação ou restauração ambiental”.
3- Emitidos em plataformas de tecnologia de direito distribuído (blockchain), conforme padrões estabelecidos por entidades certificadoras independentes aprovadas pelo “regulador”, sempre precedidos por uma avaliação do impacto ambiental realizada por auditores independentes, estaria garantida a autenticidade e a rastreabilidade do token, que poderia constituir um ativo financeiro negociável entre investidores.
4- A regulação desses ativos ambientais digitais ficaria a cargo de uma entidade da Administração Pública indicada em ato do Poder Executivo, a quem competirá expedir normas complementares para a regulamentação, supervisão e fiscalização das atividades de tokenização desses ativos, “assegurando a proteção do investidor, a integridade do mercado e a promoção dos objetivos de conservação ambiental desta Lei.
5- A proposta ainda prevê que o Poder Executivo poderá prever incentivos fiscais para emissores e investidores de tokens ambientais digitais.
II- Análise
6- Em 21/12/2022, foi aprovada a Lei 14.478/22, que “dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais”.
7- Essa Lei regulamenta, em caráter geral, os ativos virtuais, considerados, na forma do seu art. 3º, como a “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”.
8- Também estabeleceu que o Poder Executivo nomearia um ou mais órgãos da Administração Pública federal para disciplinar o funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais.
9- Essa Lei foi regulamentada pelo Decreto 11.563/23, que atribuiu ao Banco Central a função de regulador da prestação de serviços de ativos virtuais, exceto para os casos de ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei 6.385/76, que ficariam sob a competência da CVM.
10- Portanto, já existe um arcabouço legal mínimo, de caráter geral, para o exercício da atividade de ativos digitais, e as autoridades administrativas encarregadas da regulação desse mercado já foram designadas. Inclusive, o Banco Central já realizou uma 1ª Consulta Pública sobre normas gerais de atuação de prestadores de serviços de ativos digitais em janeiro de 2024 (Consulta Pública 97/2023), estando já prevista uma segunda Consulta.
11- O que se tem, portanto, é uma nova proposta legislativa tratando de ativos digitais ambientais, que já está abrangida pela Lei 14.478/22, que não especifica quais ativos seriam regulamentados, tendo atribuído ao Banco Central do Brasil o encargo regulatório.
12- Aliás, sobre o PL 3434/2024, nos parece muito mais minucioso no seu alcance, inclusive prevendo, por exemplo, obrigação de uso de tecnologias auditáveis, adoção de práticas de governança corporativa pelas entidades emissoras e gestoras de tokens ambientais, emissão conforme padrões estabelecidos por certificadoras independentes. Assim, ele retira do órgão regulador importante parcela daquilo que poderia ser objetivo de normas infralegais, instrumentos mais ágeis a serem aplicados dentro de um cenário em constante evolução e disrupção.
13- A Lei 14.478/22, por sua vez, é mais genérica, deixando para o regulador maior espaço de atuação, o que nos afigura ser o mais ideal.
14- Ainda sobre o processo de regulamentação da Lei 14.478/22, na página do Banco Central consta notícia sobre “os próximos passos da regulação dos criptoativos e dos prestadores de serviços de ativos virtuais”, na qual informa que (https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/811/noticia): “BC decidiu dividir em fases o processo de regulamentação do mercado de prestação de serviços de ativos virtuais no país. Está no radar o desenvolvimento de uma segunda consulta pública sobre as normas gerais de atuação dos prestadores e dos processos de autorização dessas entidades.”
15- Veja-se, ademais, que havendo regulamentação de uma matéria por meio de dois diplomas legislativos, há sempre o risco indesejável de interpretações divergentes e antinomias.
16- Assim, entendendo que a matéria relacionada aos ativos digitais já é tratada no âmbito da Lei 14.478/2022, já tendo sido designadas as autoridades reguladoras, BACEN e CVM, dentro do âmbito de suas competências, que já estão atuando para disciplinar a emissão e o uso desses ativos, entendemos que o PL 3434/2024, que apenas trata de uma modalidade de ativo digital, inclusive provocando algum nível de engessamento da autoridade reguladora (que ainda seria indicada, nos termos da proposta), entendemos que o PL 3434/24 não merece apoio.
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Julio Cesar Moreira Barbosa é advogado da CNI