Subvenção econômica e crédito aos atingidos pelos eventos do RS
por Christina Aires Correa Lima de Siqueira Dias
EDIÇÃO 28 - JULHO 2024
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
Subvenção econômica a mutuários que tiveram perdas pelos eventos climáticos extremos ocorridos no Rio Grande do Sul. Medida compatível com as propostas encampadas pela CNI de suporte creditício às empresas para superar a crises econômicas.
I- Contexto
1- Trata-se de análise da Medida Provisória 1.216/2024 (MPV), que autoriza o Poder Executivo federal a conceder subvenção econômica a mutuários que tiveram perdas materiais nas áreas afetadas pelos eventos climáticos extremos ocorridos nos meses de abril e maio de 2024 no Estado do Rio Grande do Sul.
II- Análise
3- A MPV tem amparo na alínea d, inciso I do artigo 62, que excepciona da vedação de edição de medidas provisórias sobre planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, quando ocorrer a hipótese do art. 167, § 3º, da CF, que expressamente prevê a abertura de crédito extraordinário, via medida provisória, para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Ademais, não concede garantias por entidades públicas, como deixa claro o inciso I do § 2º do art. 4º. Portanto, não incide a reserva de lei complementar exigida pelo art. 163, inciso III, da CF, não se enquadrando nessa previsão o aumento de recursos pela União para o Fundo Garantidor para Investimentos (FGI).
4- Não há dúvida que a situação no Estado do Rio Grande do Sul configura calamidade pública, legalmente reconhecida no Decreto Legislativo 36, de 7 de maio de 2024, para os fins do art. 65 da Lei Complementar 101/2000, que demanda a abertura de crédito urgente e extraordinário, além de renúncias fiscais, necessárias para enfrentar as consequências sociais e econômicas, sem que sejam computados nas metas fiscais estabelecidas no art. 9º na Lei de Responsabilidade Fiscal.
5- No mérito, a medida também se adequa às propostas e às manifestações já exaradas pela CNI, quando da crise da COVID-19, equiparada às calamidades públicas, quando a entidade apoiou medidas como as constantes no texto da medida provisória em análise, que buscam aumentar e facilitar o crédito das empresas para que estas possam superar períodos de calamidade. O escopo da medida é tentar desburocratizar e injetar recursos em fundo garantidor de crédito para pequenas e médias empresas (FGI, que é administrado pelo BNDES).
6- Dito isto, um ponto do texto da medida provisória merece reflexão: a justificativa destaca que, nesse “cenário, os empreendedores de menor porte econômico, pessoas físicas ou jurídicas, têm necessidade de recursos financeiros para honrar com seus compromissos e sobreviver ao choque causado pelo desastre em questão.”
6.1- A necessidade de amparar as pequenas empresas, a agricultura familiar e o médio produtor rural estão expressas no Capítulo II da MP (Das ações no âmbito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural) e explicitados no seu artigo 2º.
6.2- Não obstante a necessidade de atender aos pequenos, devem ser pensadas medidas para socorrer as empresas de porte médio e grande, também atingidas pela calamidade pública, não havendo razão para que estas sejam excluídas do programa de auxílio governamental. Vide notícia sobre o levantamento feito pela representante das indústrias locais:
“A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) fez um estudo preliminar sobre os problemas econômicos decorrentes da catástrofe ambiental no estado. A conclusão é de que o potencial impacto das cheias é ‘avassalador’, com perdas ‘inestimáveis’ até o momento.
De acordo com o levantamento, os 447 municípios atingidos pelas enchentes representam 95% dos estabelecimentos industriais, 96% dos empregos industriais, 97% das exportações da indústria de transformação e 97% da arrecadação de ICMS com atividades industriais.
Os locais mais prejudicados pelas cheias incluem os principais polos industriais estado — a Serra, conhecida pela fabricação de móveis e automóveis; o Vale dos Sinos, polo calçadista; o Vale do Rio Pardo, produtor de alimentos e tabaco; e a Região Metropolitana de Porto Alegre, onde se produzem alimentos e derivados do petróleo.
A Fiergs destaca que as conclusões são parciais, já que os efeitos do desastre ainda estão em curso — ainda não foram medidos, por exemplo, os potenciais impactos em cidades da Zona Sul do Rio Grande do Sul, como Pelotas e Rio Grande.
‘Os números apresentados aqui representam apenas uma parte do quadro potencial completo’, diz o texto.
A Fiergs pede urgência na implementação do Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, o que inclui o Benefício Emergencial (BEm) e permite a suspensão temporária de contratos, bem como a redução proporcional da jornada de trabalho e salário, aos moldes do que ocorreu na pandemia de Covid-19.
Nesta segunda-feira (13), o governo gaúcho disponibilizou um formulário para que empreendedores de todos os portes possam reportar os prejuízos causados pelas enchentes.
A ideia é, com base nessas informações, buscar recursos para apoiar a categoria.
A pesquisa solicita ao empreendedor a identificação da empresa, o ramo de atuação (comércio, atacado ou turismo), a estimativa do dano financeiro e o interesse em linhas de crédito para a retomada do negócio. Os dados serão cruzados para que o governo tenha um panorama geral da situação.”
7- Assim, caso não se vislumbrem outras iniciativas legislativas para beneficiar as empresas médias e grandes, sugere-se que seja verificada a possibilidade de que essas empresas também possam se beneficiar dessas medidas, ou daquelas sugeridas pela Fiergs na reportagem acima transcrita. A inclusão dessas empresas na MPV ou de medidas que as beneficiem não seria considerado “jabuti”, eis que estariam dentro do escopo da medida provisória.
8- Destaco a possibilidade de o Poder Executivo expandir ou ampliar os beneficiados pela Medida, face a regra do § 1º do art. 2º, que permite ser o benefício previsto no caput do art. 2º concedido apenas aos mutuários com renda ou faturamento cujo valor seja estabelecido em ato do Poder Executivo. Portanto, o alcance da Medida dependerá dos valores a serem estabelecidos pelo Executivo.
9- Da mesma forma, o Capítulo III e o art. 4º da MPV, referente ao programa de acesso ao crédito FGI-PEAC CRÉDITO SOLIDÁRIO RS, incluído no art. 1º-B, da Lei 14.042/202, somente socorrerem os “microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno e médio porte, associações, fundações de direito privado e sociedades cooperativas, excetuadas as sociedades de crédito, que tenham sede ou estabelecimento no País e que tenham auferido no ano-calendário imediatamente anterior ao da contratação da operação receita bruta inferior ou igual a R$ 300 milhões”, aos quais são destinados o Peac-FGI, conforme estabelece o art. 3º da Lei 14.042/2020.
9.1- O mesmo ocorre com o Capítulo IV.
10- Poder-se-ia avaliar a possibilidade financeira de os valores de subvenções econômicas previstos no texto serem suficientes a atender também às médias e grandes empresas. De qualquer forma, mesmo que estas não possam ser acolhidas na MPV, outras medidas de auxílio devem ser avaliadas para esses segmentos empresariais, pois não parece razoável a sua exclusão dos programas de auxílio do Governo, eis que elas também foram atingidas pela calamidade pública que se abateu sobre o Estado.
10.1- A área econômica poderá avaliar melhor essa questão, seja do ponto de vista da falta de crédito para atender a todas as empresas, seja porque podem estar sendo gestados outros programas de benefícios adequados às médias e grandes empresas.
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por Christina Aires Correa Lima de Siqueira Dias