Patentes de invenções geradas por sistemas de IA
por Christina Aires Correa Lima de Siqueira Dias
EDIÇÃO 28 - JULHO 2024
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
Projeto de lei prevendo que a patente de invenções geradas de forma autônoma por sistema de IA poderá ser requerida em nome do sistema que a tenha criado. O tema precisa ser mais debatido e amadurecido para que o Projeto não gere desincentivos à inovação.
I- Contexto
1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei 303/2024 (PL).
2- O PL pretende incluir o § 5º no art. 6º da Lei 9.279/1996 (que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial):
“§ 5º No caso de invenções geradas de forma autônoma por sistema de inteligência artificial, a patente poderá ser requerida em nome do sistema de inteligência artificial que tenha criado a invenção, sendo este considerado o inventor e titular dos direitos inerentes à invenção.”
II- Análise
3- O PL trata de questões polêmicas e atuais, que são objeto de debate em vários países, qual seja: pode ser requerida uma patente de uma invenção ser concedida a um sistema de IA que a tenha gerado de forma autônoma?
4- A questão inclusive já chegou a diversos institutos de marcas e patentes e às cortes de diversos países, devido ao pedido de patentes em nome do sistema de IA generativa denominado DABUS, criada por Stephen Thaler, que a chama de “máquina da criatividade”, e afirma considerar desonesto colocar seu nome como titular da patente, já que a máquina inventou os objetos de forma autônoma.
5- Destaque-se que em diversos países, a resposta foi negativa, por entenderem que falta base legal para que um sistema de IA seja considerado inventor de uma patente, já que pela legislação desses países apenas um ser humano com capacidade jurídica poderia ser reconhecido como inventor. Nesse sentido foi a posição, por exemplo, dos EUA, Reino Unido e Austrália.
6- No Brasil, a questão foi objeto do Parecer 00024/2022/CGPI/PFE-INPI/PGF/AGU, que concluiu pela impossibilidade do pedido, ante o artigo 6º da Lei 9.279/96 (LPI). O entendimento é de que o inventor deve ser sujeito de direito, com capacidade jurídica, na acepção do art. 1º do Código Civil, destacando que para o reconhecimento de uma IA como inventora haveria necessidade de edição de legislação específica, possivelmente antecedida de tratados internacionais sobre o tema.
7- O autor do PL, após espelhar algumas das preocupações que afligem os sistemas jurídicos nessa matéria, traz as seguintes justificativas:
“Dessa forma, a presente proposta de alteração da Lei nº 9.279/1996 visa a reconhecer e adequar a legislação brasileira à realidade das inovações tecnológicas, especificamente no que diz respeito às invenções geradas de forma autônoma por sistemas de IA.
Atualmente, a legislação não prevê a titularidade de patentes por parte de sistemas de IA, o que pode criar incertezas legais e prejudicar o desenvolvimento tecnológico nesse campo. Ao permitir que tais sistemas sejam reconhecidos como inventores de patentes, estaremos incentivando a inovação e a pesquisa nesse campo, ao mesmo tempo em que garantimos um sistema jurídico eficaz para proteger os direitos de propriedade intelectual.
De fato, o reconhecimento de sistemas de IA como titulares de invenção patenteável pode acelerar processos de inovação, impulsionando o crescimento econômico e criando novas indústrias e oportunidades de emprego. Ademais, empresas que utilizam IA para inovação podem se tornar mais competitivas no mercado global, aproveitando a proteção de patentes para desenvolver novos produtos e serviços.
Além disso, a adoção da solução proposta na presente iniciativa legislativa pode promover uma maior colaboração entre humanos e máquinas, potencializando a criatividade humana com a capacidade analítica aumentada da IA, além de facilitar o encontro de soluções para problemas complexos nos mais variados campos, como a medicina, a engenharia e as ciências ambientais, de modo a beneficiar toda a sociedade.”
8- É importante salientar a preocupação do autor do PL com a questão do incentivo à inovação, não obstante a simples indicação da IA como inventora e titular dos direitos inerentes à invenção deixar dúvidas sobre a questão patrimonial. Para quem iriam os benefícios econômicos da invenção e da patente: para o dono do sistema de IA, por força do art. 1.232 do Código Civil, ou para a pessoa que deu os comandos (prompts) para o sistema?
9- Também deve se refletir se as regras atuais de proteção de patentes devem ser as mesmas a serem aplicáveis para proteger invenções de IA. O Tribunal Federal Alemão, frente ao pedido no caso DABUS, decidiu no sentido de recusar a IA como única inventora, mas permitindo a designação do proprietário da IA como inventor, na qualidade da pessoa que instigou ou orientou o sistema de IA a originar a invenção.
10- É fundamental destacar a importância da proposta, pela relevância que os sistemas de IA vêm assumindo no desenvolvimento científico e tecnológico, com reflexos econômicos de grande monta.
11- A não regulação do tema de forma razoável pode motivar que nos pedidos de patentes não se declare que a invenção depositada foi gerada por um sistema de IA, ou que se desestimule o uso dessa ferramenta nas inovações.
12- Como o tema possibilita diversos arranjos legais, é importante que o PL seja discutido com a base industrial para que se defina o melhor modelo, não se esquecendo de analisar, também, a compatibilidade de eventual lei nacional com os regramentos internacionais.
III- Conclusão
13- Ante a complexidade e atualidade do tema, e cuja melhor solução regulatória vem sendo estudada por diversos países e órgãos supranacionais, o PL 303/2024 deve ser objeto de mais debates e amadurecimento, com consulta à base, para que a indústria manifeste a sua posição.
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Christina Aires Correa Lima de Siqueira Dias é advogada da CNI