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Aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social

por Fernanda de Menezes Barbosa

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EDIÇÃO 27 - ABRIL 2024
imagm de 2 pessoas idosas se abraçando

 

Possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria especial. Obstáculos à utilização de projeto de lei complementar para alteração de lei ordinária. Obstáculos constitucionais na previsão de requisitos mais leves para o afastamento precoce, sem considerar o déficit da previdência social. Questões de segurança jurídica envolvendo a análise dos agentes nocivos.

I- Contexto

1- Trata-se de análise jurídica do parecer da relatora Deputada Federal Geovânia de Sá ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 42/2023, que visa regulamentar o art. 201, § 1º, inciso II, da Constituição para dispor sobre os requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, nos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde, e dá outras providências.

 

1.1- A relatora em seu voto alega, dentre outras ponderações:

Cumpre ressaltar que, embora os projetos proponham a regulação da aposentadoria especial em lei autônoma, procuramos concentrar as alterações na Lei 8.213/91, uma vez que essa Lei regula os Planos de Benefícios da Previdência Social.

Acrescentamos, ainda, ressalva no § 2° do art. 57, que trata da data de início do benefício. A legislação veda que o segurado mantenha-se trabalhando em atividade especial após o início do benefício (§ 8° do art. 57 da Lei 8.213/91), o que, evidentemente, não pode prejudicar os segurados que aguardam em atividade a apreciação de seus pedidos administrativos ou judiciais da aposentadoria por exposição a risco ambiental.

Sobre o tema, o STF fixou, no tema de repercussão geral n° 709, o seguinte entendimento: “Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.”

Por fim, entendemos necessário dispor sobre as situações em que não é possível a comprovação da atividade especial por meio de formulário emitido pela empresa ou preposto. Em muitos casos de encerramento das atividades da empresa onde a atividade foi exercida, os trabalhadores são prejudicados, motivo pelo qual entendemos que, nessa hipótese, serão admitidos outros meios de prova em direito permitidos.

 

II- Análise

2.1- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (artigo 61 e seu §1º, da Constituição Federal).

 

2.2- No aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida.

 

2.3- Preliminarmente, destaque-se a falha na técnica legislativa de se visar utilizar um projeto de lei complementar – em obediência à previsão constitucional, mas com uma proposta que não traz nenhuma previsão autônoma, limitando-se (como a própria justificativa do parecer confessa) a alterar lei ordinária. Ainda que se compreenda o argumento de simplificação, não há como não pontuar que a proposta – da forma em que estruturada – em verdade se aperfeiçoaria mediante projeto de lei ordinária.

 

2.3.1- Essa ponderação justifica-se diante da possibilidade de questionamentos futuros que afetarão a segurança jurídica e a aplicabilidade dos dispositivos alterados, uma vez que não é possível conferir àqueles artigos status de lei complementar (inseridos que estão em uma lei ordinária). Em verdade, a proposta, ao fim e ao cabo, não regulamenta o instituto nos termos em que exigido no texto Constitucional.

 

2.4- Superada a incongruência apontada, passam-se aos pontos de atenção. A alteração ao artigo 57, caput, da Lei 8213/1991 configura adequação das disposições ao que prevê a Emenda Constitucional 103/2019, não havendo óbices à alteração.

 

2.5- A inserção do §1º-A ao artigo 57 da Lei 8213/1991 prevê regra distinta daquela contida no artigo 19 da EC 103/2019 (que vigorará até que lei complementar venha a tratar do tema). Logo, está em dissonância com o texto constitucional, uma vez que a previsão se dá em lei ordinária e terá esse status no ordenamento jurídico. Ou se publica uma lei complementar autônoma com requisitos distintos daqueles previstos na EC 103/2019, ou a alteração legislativa está em desconformidade constitucional.

 

2.5.1- Avançando no ponto, a ADI 6.309 (mencionada no voto da relatora) esclarece bem o que divisa o debate da constitucionalidade do endurecimento dos requisitos para a aposentadoria especial. Não apenas a população vive por mais tempo, como ainda se tornou mais grave o déficit da previdência social. Isso, em conjunto, impõe cautela na sobrecarga que é socialmente suportada com relação ao ônus de um afastamento precoce (somado ao pagamento de benefícios integrais por longos períodos), para adaptá-los à realidade atual.

 

2.6- Com relação aos §§ 8º a 10 contidos na proposta, destaca-se o excesso de burocracia e cautela para o cancelamento do benefício, uma vez que a causa do referido cancelamento é o exercício de atividades em condições semelhantes, o que não desafia contraditório ou ampla defesa – tratando-se de mera verificação formal pela própria Previdência Social.

 

2.7- O § 13 do artigo 57 da proposta traz uma ordem de preferência entre avaliação quantitativa e análise qualitativa nos termos de regulamentação. Sobre o ponto, e diante de um vasto debate a esse respeito com relação a alguns agentes específicos, sugere-se, para melhor avaliação, oitiva das áreas técnicas respectivas para que se possa entrar na conveniência e adequação dos métodos diante dos vários agentes passíveis de ensejarem o direito ao afastamento previdenciário precoce.

 

2.8- Não se identificam óbices às alterações propostas aos §§ 15; 16 e 17 do artigo 57 da Lei 8213/1991.

 

2.9- A inserção do § 18 não traz inconstitucionalidades ao prever a aplicação, desde que compatível, das demais previsões relativas aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. No entanto, o autorizativo pode atrair insegurança jurídica na análise de compatibilidade, diante da especificidade do benefício da aposentadoria especial.

 

2.10- A previsão de prazos de idade, tempo de contribuição e de efetiva exposição diferenciados para determinadas categorias viola as premissas constitucionais gerais e as específicas já traçadas para a aposentadoria especial. Primeiro porque os agentes são taxativos nos termos da regulamentação, de forma a não permitir a extensão analógica do direito ao afastamento precoce por categoria (além da legalidade estrita que permeia o custeio desses benefícios diferenciados). Segundo, porque a previsão de categorias privilegiadas especificamente – sem verificações técnicas abrangentes - viola a isonomia dentre aquelas demais que se enquadram nas condições gerais. É sempre provável que a previsão olvide outros setores e atividades (que talvez não tivessem efetuado a defesa de interesses de forma tão proativa) que igualmente entendem fazerem jus ao tratamento menos gravoso.

 

2.11- Por fim, a previsão do § 2º-A adicionado ao artigo 58 da Lei 8213/1991 pode conferir suporte a interpretações combatidas pelo setor produtivo no que se refere à extensão da decisão do STF no ARE 664.335/SC e à aplicação do Ato Declaratório Interpretativo 2/2019 da RFB.

 

2.11.1- No que se refere ao direito à aposentadoria especial e especificamente à neutralização da nocividade com relação ao agente ruído, o STF definiu, em sede de repercussão geral no ARE 664.335/SC, duas teses objetivas (uma maior, que se refere a todo e qualquer agente nocivo; e uma menor, específica com relação à exposição ao ruído):

O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.

Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

 

2.11.2- Observa-se que a tese objetiva (que vincula o tribunal e as instâncias inferiores) trata pontualmente de (i) apenas com a efetiva exposição haverá o direito à aposentadoria especial (o que foi posteriormente inserido expressamente na Constituição Federal – artigo 201 com a redação dada pela EC 103/2019); e (ii) com relação ao ruído, a declaração no PPP que ateste a eficácia do EPI não é suficiente, por si só, para descaracterizar tempo de serviço especial para fins da aposentadoria.

 

2.11.3- Em que pese a delimitação expressa das teses, ganhou espaço o entendimento (equivocado) de que, quando se trata do agente nocivo ruído, não haveria equipamento de proteção eficaz (em grande medida impulsionado pelas manifestações técnicas contidas no processo e que permearam os debates). E, ainda, a Receita Federal do Brasil, ao interpretar o precedente da Corte Constitucional e estabelecer parâmetros para a cobrança da contribuição adicional, estendeu a compreensão já ampliada para todo e qualquer agente nocivo, estabelecendo ato declaratório interpretativo (que vincula a atuação dos Auditores Fiscais) em sentido diametralmente oposto ao que prevê o ordenamento.

 

2.11.4- Percebe-se que, mesmo diante do contexto normativo vigente claro e objetivo no que se referem às condições para o recebimento do benefício previdenciário (comprovação mediante PPP baseado no LTCAT de efetiva e permanente exposição a agentes nocivos) e ao fato gerador da contribuição adicional (efetiva exposição de trabalhador aos mesmos agentes), o Poder Público tem inserido segurados, empregadores e até mesmo a Autarquia previdenciária em situação de grave insegurança jurídica, conformando passivo judicial de grandes proporções.

 

2.11.5- Nesse sentido, há convergência com a preocupação inserida nesse ponto do projeto. No entanto, a matéria não se exaure ali. Outras dimensões, notadamente de âmbito trabalhista, devem estar previstas na regulamentação, de forma a conferir elementos legais objetivos de defesa quando do questionamento da adoção de medidas de eliminação ou neutralização dos agentes nocivos.

 

III - Conclusão

 

3- Nesse sentido, diante dos obstáculos jurídicos apontados, o parecer e o substitutivo não comportam apoio do ponto de vista técnico.

 

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Fernanda Menezes Barbosa é advogada da CNI

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