Consequências da decisão do STF sobre a Lei dos Motoristas
Por Eduardo Albuquerque Sant’Anna
EDIÇÃO 24 - SETEMBRO 2023
Recentemente, o STF concluiu o julgamento da ADI 5.322, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte contra a Lei 13.103/15, que regulamenta a profissão de motorista profissional. Dos inúmeros temas questionados, quatro foram considerados inconstitucionais, mas trazem grande impacto econômico e social.
Em apertada síntese, concluiu a Suprema Corte que o aguardo nas operações de carga e descarga ou nas filas para fiscalização de mercadorias não será mais considerado tempo de espera, nem pago de forma indenizada à razão de 30% da hora normal. Com a decisão, este período deverá ser considerado como jornada regular de trabalho e, desta forma, pago.
Não poderá, da mesma forma, haver acúmulo do descanso semanal remunerado nas jornadas de longa distância, com possibilidade de gozo no retorno do motorista à sua base e residência, de forma a aproveitar o tempo com os familiares. O descanso semanal remunerado deverá ser aplicado da mesma forma que para outras categorias e obrigará os motoristas em viagens longas a parar em postos de serviço.
Os intervalos interjornadas também não poderão ser fracionados para viabilizar o encurtamento da viagem e a diminuição do seu custo. Dessa forma, após a decisão, as 11 horas deste intervalo deverão ser cumpridas integralmente e de uma única vez, desprezada as peculiaridades da rotina de trabalho dessa diferente categoria profissional. A Lei 13.103/15, portanto, não alterou a quantidade de descanso, mas possibilitou apenas a mudança dos momentos de sua concessão. Essa flexibilidade permitiu que os motoristas organizassem melhor a viagem e, com isso, reduzissem seu tempo de percurso, retornando mais cedo e com segurança às suas casas.
Se o motorista repousa por oito ou nove horas e se restabelece fisicamente para seguir a viagem, não precisaria ficar parado por outras duas ou três horas, a aguardar o horário para nova partida. Tomada por base uma viagem hipotética de 6 dias, o motorista chegaria a ganhar entre 12 e 18 horas. Cuida-se de precioso tempo que poderia ser dedicado ao convívio social, familiar e ao lazer.
Por fim, não será mais permitido que, em viagem com dois motoristas, (caminhão com cabine), um deles repouse (sem computo na jornada) enquanto o outro conduz. A partir de agora, mesmo durante o repouso com o veículo em movimento, o período deverá ser considerado como de trabalho.
Essas questões terão impacto, direto e indireto, na geração de empregos, na arrecadação de tributos e no tempo para a entrega das mercadorias, reflexo também de natureza retroativa do julgamento do mérito da ADPF no período imprescrito das relações de trabalho dos motoristas profissionais. Tais aspectos afetam não apenas o setor produtivo, mas o setor de serviços e toda a sociedade brasileira, haja vista que o modal mais utilizado para transporte de cargas é o rodoviário – mais da metade das cargas transportadas no país ocorre dessa forma.
Acaso mantido o entendimento firmado pelo STF, o reconhecimento da inconstitucionalidade trará, entre outras consequências, a necessidade do aumento do número de equipamentos devido ao aumento do tempo de ciclo, o aumento do número de motoristas e a imprevisibilidade na gestão de ciclo de transporte, reduzindo a produtividade no segmento com aumento de custo.
Tais pontos não poderão ser atendidos com a rapidez necessária: há necessidade de alteração dos procedimentos internos, reorganização das jornadas e escalas, realinhamento de custos e contratação de novos motoristas. Todavia, novas admissões representam um problema extra grave: o número de motoristas acumulou queda de 22% nos últimos 9 anos, conforme nota publicada pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região. No mesmo sentido, foi a manifestação feita pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que custeia a carteira de motorista profissional, das categorias D e E, para aqueles que se interessarem, em razão da dificuldade em se encontrar motoristas.
O fato é que a categoria se organizou, investiu e estruturou o modal firme nas premissas legais que vigoram por 8 anos e que trouxeram aos próprios motoristas melhor qualidade de vida, já que a organização do labor privilegiava a redução da duração das longas viagens e facilitava o retorno antecipado para casa.
Nesse sentido, a norma brasileira não destoava do padrão adotado em outras partes do mundo. A exemplo, podemos citar o Regulamento CE 561/2006 da União Europeia, que, da mesma forma como previsto na Lei 13.103/15, permite o fracionamento do intervalo interjornada e a acumulação do repouso semanal remunerado, por exemplo. Assim, a norma brasileira parecia não comprometer a segurança viária e tampouco aumentar os riscos inerentes ao trabalho, violando normas de saúde, segurança e higiene laboral.
O fato é que a decisão proferida pelo Supremo, apesar dos detalhados votos, deixa algumas incertezas e preocupações, como o marco temporal de sua aplicação. Não esclareceu, por exemplo, como e quando deverão as empresas se enquadrar, o que pode trazer acentuados e graves efeitos econômicos ao setor e pôr em risco a dimensão objetiva da segurança dos negócios.
Com efeito, a necessidade de modulação, para garantir a segurança jurídica, é imperiosa. Tanto que os embargos de declaração opostos pela autora e pela CNT, em conjunto, e pela PGR, requereram a modulação dos efeitos a partir da publicação da decisão (12/7/2023), a fim de afastar a incidência de passivo trabalhista.
A CNI também opôs embargos à decisão, nos quais postulou uma modulação mais elástica, para que a decisão surta efeitos somente dois anos após o trânsito em julgado. A bem da segurança jurídica e rodoviária, é preciso que haja prazo de adaptação ao julgado até para que motoristas e cargas sejam adequadamente hospedados e alocados nas estradas, com tempo suficiente para destinação dos expressivos investimentos necessários para manter a produtividade e o escoamento em níveis atuais, reorganizando-se a logística em todos os setores econômicos ligados ao transporte de cargas.
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Eduardo Albuquerque Sant’Anna é advogado da CNI