Jornada de trabalho intermitente
Por Eduardo Albuquerque Sant’Anna
EDIÇÃO 23 - JULHO 2023
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
1. Projeto de Lei (PL) 2243/2023 que altera o contrato intermitente. 2. Retrocesso e insegurança jurídica em razão da tentativa de mudança legislativa, com objetivo de aproximar o contrato intermitente ao contrato de trabalho por prazo indeterminado. 3. Necessidade de manutenção dos dispositivos aprovados. 4. Pelo não apoio.
I- Contexto
1-Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PL) 2.243/23, que traz novas regras para o contrato de trabalho intermitente.
1.1-Afirma o parlamentar que o contrato de trabalho intermitente peca em diversos pontos, a começar pela nomenclatura. Cita, como problemas, o excessivo poder conferido ao empregador; a falta de clareza em relação às férias e às convocações e a concessão de seguro-desemprego.
1.2-Eis o texto proposto:
Art. 1º O caput do art. 443 e seu § 3º da CLT passam a vigorar com as seguintes redações:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou ainda para a prestação de trabalho em jornadas intermitentes, hipótese em que deverá ser celebrado expressamente e por escrito.
(...)
§ 3º Considera-se contrato individual de trabalho para prestação de serviços intermitentes, com subordinação, quando não há continuidade de jornadas, havendo alternância na prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Art. 2º O Art. 452-A da CLT passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 452-A. O contrato individual de trabalho para prestação de serviços intermitentes deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não deverá ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, em contrato para prestação de trabalho intermitente ou não.
§ 1º O empregador convocará o empregado, por qualquer meio de comunicação eficaz, com confirmação de recebimento, informando qual será a jornada e horário, com, pelo menos três dias corridos de antecedência.
§ 2º Caso o empregado já esteja convocado por outro empregador, para a realização de serviços, na mesma data da solicitação prevista no parágrafo anterior, em razão de outro contrato com previsão de jornada intermitente, comunicará o fato ao empregador no prazo de 1 dia útil, ficando livre de qualquer sanção.
§ 3º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de 1 dia útil para recusar, expressamente e por escrito, ao chamado, presumindo-se, em caso de silêncio, a recusa.
§ 4º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho para a prestação de serviços intermitentes.
§ 5º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, o empregado que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
§ 6º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
§ 7º Ao final de cada período mensal de prestação de serviços, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:
I – remuneração; II – repouso semanal remunerado; III – horas extras, com acréscimo de 50%, caso tenha trabalhado, num mesmo dia, mais de 8 horas, ou mais de 44 horas semanais; e IV – adicionais legais.
§ 8º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 7º deste artigo.
§ 9º O empregado efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do FGTS, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
§ 10. A cada 12 meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos 12 meses subsequentes, 1 mês de férias, período em que não poderá ser convocado para prestar serviços para o mesmo empregador.
§ 11. Caso o empregado contratado para trabalho em jornadas intermitentes tenha 2 ou mais empregadores poderá tirar férias de 15 dias, em relação a todos os empregadores, devendo, para tanto, comunicar aos contratantes, com antecedência de 30 dias as datas escolhidas.
§ 12. Em um mesmo dia, o empregado contratado para trabalho em jornadas intermitentes não poderá prestar trabalho para mais de um empregador.
Art. 3º A CLT passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:
Art. 452-B. O empregado contratado para exercer trabalho em jornadas intermitente possui, além dos direitos e deveres citados no artigo anterior e dos direitos assegurados constitucionalmente:
I – proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa no valor de um salário médio percebido nos últimos 6 meses, nunca inferior a 1 salário-mínimo; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário, e inexistência de contrato de trabalho de qualquer natureza em vigência, no valor de 1 salário-mínimo, na forma da regulamentação; III – FGTS, acrescido de 40%, a ser pago pelo empregador, em caso de demissão injustificada ou sem justa causa; IV – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho, pago de conformidade com o tempo de trabalho realizado; V – irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VI – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo horário, para os que recebem remuneração variável; VII – 13º salário, nunca inferior ao mínimo, com base na remuneração integral, a ser pago no mês de dezembro de cada ano ou proporcional na rescisão contratual; VIII – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, na forma desta CLT; IX – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; X – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XI – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XII – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal; XIII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário médio dos últimos 6 meses e valor nunca inferior ao salário-mínimo; XIV – licença à gestante, sem prejuízo ao salário, com a duração de 120 dias, com remuneração de, no mínimo, 1 salário-mínimo; XV – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XVI – aviso prévio de 30 dias, remunerado pela média dos últimos 6 meses, assegurado 1 salário-mínimo; XVII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XVIII – proibição de diferença de salário, de exercício de funções e critérios de admissão por motivo, de sexo, opção sexual, cor ou estado civil; XIX – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
II- Análise
II.I- ASPECTOS FORMAIS
2-Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa do Presidente da República (artigo 61 e § 1º da Constituição Federal). Não há, portanto, vício formal subjetivo.
2.1-No aspecto federativo, a proposição tem curso no Congresso Nacional, ambiente parlamentar adequado. Também está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por lei Ordinária, legislar nessa matéria (art. 22, I da Constituição Federal).
II.II- ASPECTOS MATERIAIS
3-Era crescente a quantidade de trabalhadores que, por interesses ou até mesmo necessidades pessoais, preferiam disponibilizar apenas de parte do seu dia para o trabalho. Contudo, a legislação vigente antes da Lei nº 13.467/17 dificultava a adoção desta flexibilidade, o que trazia insegurança para os que a adotavam. Nem mesmo como horista era seguro o exercício de uma jornada mais flexível.
3.1-A exemplo cita-se decisão do TST que, em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), declarou da invalidade da jornada móvel e variável adotada por uma conhecida rede de “fast food”. In verbis:/p>
RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender, em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 9891900-16.2005.5.09.0004, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011).
3.2-Desta forma, atento a esta realidade e às transformações do mundo do trabalho, por intermédio da reforma trabalhista o Parlamento regulou de forma clara esta situação. Com isso trouxe à vida a figura do contrato de trabalho intermitente, permitindo a prestação de serviços de forma descontínua, podendo compreender determinados períodos em dia ou hora.
3.3-As alterações propostas pelo parlamentar desfiguram o contrato de trabalho intermitente e o trazem muito próximo do contrato de trabalho por tempo indeterminado, tornando aquela modalidade contratual totalmente desinteressante. Ou seja, inviabiliza esta forma de contratação e traz de volta a insegurança jurídica.
3.4-A exemplo podemos citar as seguintes alterações:
a) Impõe, por parte do empregador, a confirmação de recebimento do convite para comparecimento (artigo 452-A, § 1º). Além de aumentar a burocracia, em uma relação que exige agilidade, traz obrigação de difícil comprovação pelo o empregador. Tanto é assim que a norma equipara o silêncio do trabalhador como recusa;
b) A comunicação exigida no § 2º do artigo 452-A é desnecessária. Se o silêncio equivale à recusa, razoável seria que a penalidade ocorresse apenas se a ausência ocorresse quando aceita a oferta (§ 4º do artigo 452-A);
c) O § 3º do artigo 452-A também não é necessário. Define que o empregado terá um dia útil para recusar, expressamente e por escrito, o chamado. O atual § 2º já prevê que se não respondido no mesmo período, será considerada a recusa, o que já é suficiente em razão da natureza desta modalidade contratual;
d) O inciso III do § 7º do artigo 452-A estipula o pagamento das horas extras quando o trabalho ultrapassar 8 horas diárias ou 44 horas semanais. Contudo, o contrato intermitente não tem o limite de 8 horas diárias, apenas as 44 horas semanais. Entendimento contrário, equipara-o ao contrato de trabalho normal, retirando suas características;
e) Outro ponto que descaracteriza esta modalidade é o § 12 do artigo 452-A, pois impede que um trabalhador preste serviços intermitentes a mais de um empregador no mesmo dia. Ora, se a prestação do serviço não é contínua, com alternância de períodos, não há óbice que trabalhe em mais de um local, para mais de um empregador, desde que compatíveis. Este impedimento não existe nem para o trabalhador contratado por prazo indeterminado, que pode ter registado em sua CTPS mais de um contrato;
f) Outro ponto que descaracteriza o contrato intermitente, aproximando-o do contrato por prazo indeterminado, é a extensão de benefício não aplicável aos que sujeitam a esta nova modalidade contratual (se não extensíveis, ao menos discutíveis), como o seguro-desemprego.
4-Isto posto, o PL 2243/2023 não deve merecer apoio.
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Eduardo Albuquerque Sant’Anna é advogado da CNI