PEC 46/22: alterações do Sistema Tributário Brasileiro
Por Pedro Henrique Braz Siqueira
EDIÇÃO 21 - FEVEREIRO 2023
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
I- CONTEXTUALIZAÇÃO
1- Trata-se de pedido de parecer jurídico sobre a Proposta de Emenda à Constituição 46/22 (PEC), cujo objetivo é alterar o Sistema Tributário Nacional com vistas a modificar e simplificar o regramento atinente ao ICMS, ao ISS e às contribuições para o custeio da seguridade social, além de promover maior integração entre as Administrações Tributárias dos Entes Federados.
2- Na justificativa oferecida para a proposta aponta-se a necessidade de simplificação dos tributos sobre o consumo, associado a simplificação de processos e procedimentos tributários, a fim de reduzir as obrigações acessórias das empresas, reduzindo custos e tornando mais transparente o impacto desses tributos sobre os preços dos bens e serviços.
II- Análise
II.I- ASPECTOS FORMAIS
3- Inicialmente, sob o ponto de vista do processo legislativo, não há óbice à atuação parlamentar inicial para alteração do texto constitucional, mas é preciso verificar a adesão mínima de 1/3 dos membros da respectiva Casa Legislativa (Senado Federal) exigida no artigo 60, inciso I, da Carta da República.
4- A proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetido ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração desejada, nos termos do que dispõe o artigo 60 da Constituição Federal, além de não encontrar impedimento evidente nas vedações constantes dos §§ 4º e 5º do aludido dispositivo constitucional.
II.II- ASPECTOS MATERIAIS
5- Quanto ao mérito da proposta, percebe-se a pretensão de modificar o Sistema Tributário Nacional, em especial os dispositivos constitucionais que tratam do ICMS, do ISS e das contribuições para o custeio da seguridade social, bem como de promover maior integração entre as Administrações Tributárias dos Entes Federados.
6- Como já mencionado, não há patentes violações às chamadas cláusulas pétreas ou óbices jurídico-constitucionais ao poder constituinte derivado para reformar/alterar a Lei Fundamental.
7- Não obstante, algumas ponderações merecem ser feitas:
a) a reserva à lei complementar da temática do processo administrativo fiscal pode conferir uniformização e homogeneidade quanto à normatização de assunto caro aos contribuintes. Uma disciplina, no plano nacional, teria o condão de favorecer o desenvolvimento das atividades produtivas no país;
b) no que tange às alterações relativas ao ICMS, são mudanças positivas a limitação do número de alíquotas, a delimitação de que os responsáveis tributários do citado imposto estadual e as infrações e penalidades a ele inerentes deverão ser fixados e uniformizados por intermédio de lei complementar, a exclusão do ICMS em sua própria base de cálculo (medida que garante a incidência “por fora” e afastaria o entendimento firmado pelo STF, em sede de repercussão geral, no RE 582.461), e a adoção paulatina do princípio do destino.
No entanto, é preciso registrar que o denominado “crédito financeiro” não está garantido pela PEC ora em exame, pois consta que o aproveitamento de crédito poderá ser vedado em certas situações (“exceto apenas quando as operações ou prestações não forem direta ou indiretamente utilizadas nas atividades do contribuinte”), o que perpetuaria o caráter cumulativo do tributo e o contencioso administrativo e judicial.
Ademais, a vedação à concessão de benefícios fiscais pode inviabilizar a recuperação das empresas e comprometer a própria autonomia e organização financeira dos Estados e do Distrito Federal;
c) quanto ao ISS, são pontos favoráveis a delimitação de que as infrações e penalidades referente ao imposto municipal em questão deverão ser fixadas por intermédio de lei complementar, a exclusão do ISS em sua própria base de cálculo (incidência “por fora”), e a adoção paulatina do princípio do destino. Contudo o tributo ainda manterá sua natureza cumulativa e a vedação à concessão de benesses fiscais atrai a observância feita acima;
d) para cada um dos respectivos impostos seria instituído um Comitê Gestor próprio, o que não é inconstitucional, porquanto não há violação ao Federalismo e mantém-se a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios para fixar suas alíquotas, guardados certos parâmetros e observada a uniformidade dos demais aspectos do ICMS e do ISS.
Sem embargos, a forma de custeio inicialmente indicada para cada um dos Comitês pode vir a prejudicar os cofres públicos dos entes subnacionais, além de haver uma submissão do controle orçamentário dessas novas autarquias ao Congresso Nacional, o que pode não ser conveniente.
e) por fim, no que se refere às alterações normativas do art. 195 da Constituição Federal, que trata das contribuições para o custeio da seguridade social, embora se pretenda uma desoneração da folha de salários, acaba-se por delegar a fixação de alíquotas e bases de cálculo ao legislador ordinário e com base em alguns critérios abertos (utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho). A mudança pretendida pode gerar insegurança jurídica e problemas de ordem concorrencial, implicando, a depender do caso concreto, em vícios materiais de inconstitucionalidade por afronta à isonomia tributária e à livre concorrência.
III- Conclusão
8- São estas observações que nos cumprem relatar no momento. Recomenda-se, ademais, que se analise a conveniência incluí-la na discussão da reforma tributária ampla – objeto das PECs 45/19 e PEC 110/19, discutidas e aperfeiçoadas ao longo do processo legislativo, inclusive com a participação do setor industrial.
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Pedro Henrique Braz Siqueira é advogado da CNI