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Medida Provisória 1.160/23: voto de qualidade no Carf e contencioso administrativo fiscal

Por Gustavo do Amaral Martins

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EDIÇÃO 21 - FEVEREIRO 2023
imagem de duas balanças da justiça representando a medida provisória de voto de qualidade no Carf e contencioso administrativo fiscal

 

1- A Medida Provisória nº 1.60/23 (MPV) trata de quatro temas distintos e sem vínculo direto. Assim, faz-se necessário o exame artigo por artigo.

Restabelecimento do voto de qualidade no Carf

2- Restabelece o voto de qualidade no Carf. Isto se dá com a redação do art. 1o determinando que na hipótese de empate o resultado será proclamado na forma do § 9o do art. 25 do Decreto 70.235/72, que fala no voto de qualidade, e por meio do seu art. 5o, que revoga o art. 19-E da Lei 10.522/2002. Esse artigo, acrescentado pela Lei 13.988/20, extinguira o voto de qualidade.

2.1- Os motivos apresentados pelo Governo para justificar a volta do voto de qualidade, se examinados com cautela, já são fortes o suficiente para que não se concorde com a medida.

2.2- Afirmou o Ministro da Fazenda que o fim do voto de qualidade teria levado a um elevadíssimo represamento de feitos no Carf. Na mesma oportunidade, a Ministra do Planejamento afirmou que se tivesse essa informação ao tempo que votara pelo fim do voto de qualidade, teria outro entendimento. Minutos depois, ao responder a indagação de uma repórter, o Secretário da Receita Federal afirmou que o represamento se deu porque a Receita Federal retardou o julgamento de matérias que entendia haver risco de reversão do entendimento. Isto deixa clara uma ausência de neutralidade dos julgadores, ou ao menos dos presidentes dos órgãos julgadores, responsáveis por elaborar a pauta.

2.3- Outro ponto relevante é que a medida foi anunciada no âmbito daquelas destinadas a obter receita. Ora, o voto de qualidade é dado pelo presidente do órgão julgador no Carf e todas as presidências não apenas são cargos privativos de conselheiros fazendários, mas também constituem função de confiança. Os presidentes, ao contrário dos demais conselheiros, não têm mandado, eles ocupam o cargo enquanto forem de confiança do Ministro.

2.4- Ora, se o fim do voto de qualidade é anunciado como medida para “fechar as contas” e se o voto de qualidade é exercido por servidores em função de confiança, para a qual podem ser livremente nomeados e da qual podem também ser livremente exonerados, resta evidente a antinomia entre a medida e qualquer noção de devido processo legal administrativo.

2.5- Assim, ao nosso ver, deve se buscar a não conversão em lei dos artigos 1º e 5º da Medida Provisória.

Poderes para a Receita Federal favorecer a solução amigável de conflitos

3- O art. 2º da MPV confere à Receita Federal do Brasil (RFB) poderes para “disponibilizar métodos preventivos para autorregularização de obrigações principais ou acessórias relativas a tributos por ela administrados, bem como “estabelecer programas de conformidade para prevenir conflitos e assegurar o diálogo e a compreensão de divergências acerca da aplicação da legislação tributária”.

3.1- Trata-se, na verdade, de delegação de ação normativa. A lei delega para a RFB a criação das normas que irão criar os “métodos preventivos para a autorregulamentação” e os “programas de conformidade”.

3.2- Veja-se que, em parte, a matéria pode ser considerada como já disciplinada em lei, notadamente a denúncia espontânea. Mas essa figura, segundo jurisprudência firme, abrange apenas a obrigação principal, não a acessória. Assim, se o particular fizer a autorregularização de obrigação acessória e ficar dispensado de multa, ou a tiver reduzida, haverá anistia, total ou parcial, sem previsão em lei, violando o requisito previsto no art. 150, § 6º, da Constituição.

3.3- Para que isto não ocorra, a própria lei deverá estabelecer a possibilidade de autorregularização e o afastamento total ou parcial das multas por descumprimento de obrigação acessória, deixando para a RFB a mera regulamentação e não a criação, a edição de norma jurídica primária.

3.4- Isso também pode ser dito sobre os “programas de conformidade para prevenir litígios”. A ideia aqui parece ser a de criar mecanismos de consulta prévia nos moldes dos advanced pricing agreements sobre preços de transferência. A base legal hoje existente no Brasil é a de consultas sobre a legislação tributária aplicável a fato determinado (Decreto 70.235/72, art. 46). A evolução é salutar, mas não cabe conceder o poder normativo primário à Receita Federal, apenas, e no máximo, a discricionariedade técnica para regular.

Anistia especial

4- O art. 3º da MPV estabelece hipótese especial de anistia para quem, até 30 de abril de 2023, confessar e pagar o valor integral de tributos devidos após o início do procedimento fiscal, mas antes do lançamento. A anistia é aplicável apenas para procedimentos fiscais iniciados até a entrada em vigor da MPV.

4.1- Trata-se de medida pontual que favorece o Contribuinte. Pelo CTN, há a denúncia espontânea se realizada antes do início da fiscalização (art. 138, parágrafo único). Essa medida permite que nos próximos dois meses o benefício seja aproveitado, nas mesmas condições, para quem já foi intimado do início da fiscalização, mas não teve o auto lavrado contra si.

Aumento do valor mínimo dos processos para caber recurso ao Carf

5- O art. 4º da MPV majora para mil salários-mínimos o valor que define o contencioso de baixa complexidade, para o qual não caberá recurso ao Carf.

5.1- Mil salários-mínimos corresponde hoje a mais de um milhão e trezentos mil reais.  Esse valor significará para a imensa maioria dos brasileiros a impossibilidade de exercer o direito ao duplo grau administrativo.

5.2- Aqui cabe lembrar que dentre os fundamentos da súmula vinculante 21 do STF está a ADI 1.976.  Lá é textual ao menos nos votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, a existência de direito ao duplo grau no processo administrativo e o óbice representado por depósito ou arrolamento.  Aqui não há óbice, mas mera vedação ao duplo grau em patamar muito significativo para a maior parte dos brasileiros.

5.3- A inovação nos parece incompatível com os precedentes que resultaram na súmula vinculante 21.

 

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Gustavo do Amaral Martins é advogado da CNI

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