Mediação como meio de prevenção de conflitos administrativos e judiciais na área tributária
Por Gustavo do Amaral Martins
EDIÇÃO 20 - Dezembro 2022
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
I- Objeto
1. Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PL) 2.485/22, que pretende disciplinar a mediação tributária na União "como meio de prevenção consensual de conflitos em matéria tributária administrativa e judicial".
1.1 O projeto é fruto da comissão de juristas nomeada pelo Senado com o fim de apresentar propostas com vistas a dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional.
II- Análise
2. Neste exame faremos primeiro considerações pontuais e depois uma análise geral.
3. No §1º do art. 2º do projeto, a redação parece requerer aprimoramento. Está escrito que no exercício da mediação auditores e procuradores "não serão responsabilizados, exceto pelos respectivos órgãos correicionais ou disciplinares ressalvadas as hipóteses de dolo ou má fé".
3.1 No sexto parágrafo da exposição de motivos se vê que a intenção é que auditores e procuradores respondam apenas por dolo ou fraude e perante seus órgãos correicionais ou disciplinares. O texto da proposta, contudo, ao dizer que não serão responsabilizados exceto pelos órgãos administrativos e ressalvar as hipóteses de dolo ou má-fé, permite entender que a responsabilização pode ser perante os órgãos correicionais ou disciplinares, por qualquer motivo, ou, nos casos de dolo ou fraude, por qualquer órgão, sujeitando a matéria a ser conhecida diretamente pelo judiciário em ação civil pública ou ação de improbidade, por exemplo.
3.2 Aqui é necessário, ao nosso ver, decidir por um modelo e adequar a redação. Ao nosso ver o modelo de condicionar a aplicação de sanções à comprovação de dolo ou fraude perante os órgãos disciplinares é adequada. O mero risco de se ver envolvido, "no CPF", em acusação de improbidade administrativa será um enorme inibidor a que o servidor tenha autonomia para agir de modo que possa, em tese, reduzir o montante da exigência tributária original.
4. O art. 7º do PL estabelece que as hipóteses de cabimento de mediação serão definidas em ato conjunto do advogado-geral da União e do Ministro da Economia. Com isso a lei não limita, desde já, o que possa ser objeto de mediação.
5. O §1º do art. 8º diz que nos casos de mediação no contencioso administrativo fiscal o auditor que promove a auditoria opina sobre a conveniência e oportunidade da mediação. A redação parece necessitar de ajuste. O contencioso administrativo tributário se dá após o lançamento, após a lavratura do auto de infração. Nesta fase a auditoria, prévia à autuação, já acabou. Assim, usar no tempo presente "auditor que promove a auditoria" torna o texto um tanto dúbio. Está ele falando de diligência solicitada no PAF e ainda em realização? Ou haverá erro de redação, devendo a menção ser ao inciso I do caput e não ao inciso II, o que é até sugerido pela leitura do parágrafo seguinte?
6. O §2º também precisa ter a redação aprimorada, pois diz que "na hipótese do §1º", se deferido o requerimento de mediação formalizado no curso de ação fiscal... Ora, o §1º trata da hipótese do inciso II do caput mediação no contencioso administrativo tributário, a mediação no curso de procedimento fiscal é matéria do inciso I. Talvez o erro esteja no parágrafo anterior, que deveria aludir ao inciso I do caput e não ao inciso II.
7. Feitas estas observações pontuais, cabe a abordagem geral antes mencionada.
8. Em definição utilizada pelo Portal CNJ:
A Mediação é uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o conflito. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais ou complexos. (https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao/)
8.1 A ideia de mediação está calcada na autonomia das partes para solucionar o conflito. Mas no Direito Tributário a exigência de tributo é ato vinculado (CTN, art. 142), não havendo discricionariedade, salvo, talvez, a discricionariedade técnica, porque inafastável. Nos parece claro que há espaço para mediação em tudo ou quase tudo que envolve a valoração de fatos e de provas. No âmbito de parcelamentos especiais, para ajustar prazo de pagamento e redução de multas à realidade de cada caso também há um espaço. Talvez uma simbiose entre a mediação e a transação individual seja um caminho interessante, mas a lei nada trata disso. Tudo fica delegado ao juízo de conveniência e oportunidade do advogado-geral da União e do Ministro da Economia.
8.2 É preciso considerar que o CTN não faz qualquer menção a mediação e que esta, por sua vez, é apenas um instrumento para que as partes cheguem a um acordo. Não é ela em si um instrumento de solução de lides. O ato com concessões recíprocas é ou a transação ou, talvez, um parcelamento. Todavia, o CTN exige no seu art. 171 que as condições da transação e os agentes competentes sejam determinados em lei. Aqui, ao nosso ver, o projeto deveria tratar como transação uma das soluções possíveis, e discipliná-la ou remeter às disciplinas já existentes sobre transação. O risco aqui é de que seja entendido que a falta dessa disciplina entra em confronto com o disposto no art. 171 do CTN e que essa disposição tem natureza de norma geral, sendo vedado a lei ordinária contrariá-la.
8.3 Mesmo que se diga que em alguns casos o resultado da mediação possa ser a revisão do lançamento, esta possibilidade também está disciplinada no CTN e não parece claro como o "resultado da mediação" irá se compatibilizar com os artigos 145 e 149 do CTN.
III - Conclusão
9. É preciso, ao nosso ver, que a finalidade da mediação seja um pouco mais bem explicitada, notadamente quanto aos marcos da modificação do lançamento e extinção do crédito tributário no CTN.
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Gustavo do Amaral Martins é advogado da CNI