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Consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira

Por Fabiano Lima Pereira

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EDIÇÃO 20 - Dezembro 2022
imagen de pessoas e interrogação representando consulta quanto à aplicação da legislação tributária

 

I- OBJETO

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto e Lei (PL) 2.484/2022, de autoria parlamentar, que dispõe sobre o processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal

1.1- O PL é fruto do Relatório Final da Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional, instituída pelo Ato Conjunto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1/2022.

2- Vale destacar a síntese da justificação da proposta legislativa: 

4. Dentro desse escopo, a presente proposta tem o intuito de incorporar à legislação federal uma série de melhorias no processo de consulta fiscal, mediante unificação e modernização da normatização atual constante nos arts. de 46 a 58 do Decreto-Lei n. 70.235, de 6 de março de 1972, e nos arts. De 88 a 102 do Decreto n. 7.574, de 29 de setembro de 2011, com as inovações apresentadas como regulamentação pela Instrução Normativa da Receita Federal n. 2.058, de 9 de dezembro de 2021.

5. Ante o colapso do sistema atual de cobrança do crédito tributário, representado pelo alto índice de congestionamento do Poder Judiciário ao qual correspondem as execuções fiscais, conforme relatório “Justiça em Números”, edição 2021, medidas administrativas que aumentem o processo de diálogo entre o contribuinte e a fiscalização, atuando antes mesmo de qualquer cobrança estatal, não são apenas desejáveis como devem ser priorizadas por qualquer iniciativa de reforma do processo tributário, como a presente.

6. Por isso, a Comissão de Juristas centrou seus esforços para além do desenvolvimento de soluções alternativas à solução de conflitos na esfera tributária, trabalhando também no aperfeiçoamento do mais eficaz instrumento de unificação da interpretação da legislação tributária pela administração federal, que é a consulta fiscal.

7. A consulta fiscal, apesar de constante no ordenamento jurídico brasileiro há anos, ainda carece de ajustes com vistas a atingir uma eficácia mais próxima ao de outros países do mundo, em que o instituto tem representado um modelo de sucesso na prevenção de litígios tributários.

8. Entre vários pontos que mereceram ajustes, destacamos a atual existência de um prazo muito extenso (trezentos e sessenta dias) para a autoridade administrativa proferir decisão, cujo não cumprimento não produz qualquer efeito imediato. Assim, na prática, o contribuinte, ao formular a consulta, não tem a garantia de que receberá uma resposta em curto espaço de tempo. Pelo contrário, o que se observa pela análise empírica são soluções de consulta que demoram cerca de um ano para serem solucionadas.

9. Outra característica do processo atual de consulta é que não há unicidade nas decisões tomadas, o que implica ausência de previsibilidade e segurança jurídica.

(...)

10. Atenta a esse cenário, a Comissão de Juristas propõe algumas medidas para racionalizar o processo de consulta em âmbito federal, entre elas: (i) a redução do prazo de resposta de trezentos e sessenta dias (art. 95, § 2º, do Decreto n. 7.574/2011) para cento e vinte dias úteis; (ii) a possibilidade de retificação ou complementação da consulta formulada com ausência de informação necessária, quando possível; (iii) a possibilidade de formulação de consulta por meio eletrônico; (iv) a possibilidade de criação de procedimentos de consulta diferenciados com vistas à implementação de um programa de compliance cooperativo; e, por fim, (v) a produção de efeitos vinculantes para toda a administração federal e respectiva observância em relação a todos os demais sujeitos passivos não consulentes que se encontrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas, pela decisão da consulta.

11. Com isso, pretendemos garantir a normatividade das decisões finais proferidas em sede de consulta fiscal, resgatando a ideia dos arts. de 369 a 373 do Anteprojeto do Código Tributário Nacional, encaminhado ao Congresso por Rubens Gomes de Souza (1954), assegurada, porém, a irretroatividade em caso de alteração de entendimento, exceto se favorável ao contribuinte.

12. Nessa mesma linha, propomos que os efeitos da decisão da consulta para o estabelecimento matriz aplicam-se igualmente às filiais da mesma pessoa jurídica, assim como, tratando-se de matéria já decidida, o órgão competente limitar-se-á a transmitir ao consulente o texto da solução dada em hipótese precedente análoga, facultando-se, ainda, a possibilidade de o contribuinte requerer, mediante petição fundamentada, a revisão da referida decisão, caso entenda inaplicável ao seu caso o precedente invocado.

 

II- Análise

II.1. ASPECTOS FORMAIS: INICIATIVA LEGISLATIVA LEGÍTIMA E ADEQUAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO

3- Inicialmente, no geral, sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (CF, Art. 61 e § 1º).

4- Doutro lado, no aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria para o âmbito federal (CF, Art. 22, I). 

II.2. ASPECTOS MATERIAIS: SEM IMPEDIMENTOS JURÍDICOS – RECOMENDAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO TÉCNICA E SETORIAL

5- Afastados os óbices formais e constitucionais, no mérito, o PL não apresenta impedimentos jurídicos, porque a questão está submetida à plena conformação legislativa sem limitação constitucional explícita sobre questão de natureza processual (administrativo-tributária).

6- Ademais, em regra, a busca de soluções normativas para composição e prevenção de litígios administrativos e/ou judiciais milita em favor da almejada segurança jurídica com efeito direto na redução do indesejado contencioso, que agrega custos evitáveis aos contribuintes.

7- Contudo, apesar do objetivo de modernizar/atualizar a consulta tributária, após recomendável manifestação técnica, o apoio ao mérito da proposição legislativa depende de avaliação e decisão político-setorial, que está fora do exame técnico-jurídico. Em especial, dentre outras questões, o setor industrial deve ser chamado a avaliar se os seguintes pontos estão em sintonia com os anseios de melhora desse instrumento e da finalidade prevenção de litígios:

a) Inclusão das entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais (Art. 1º, § 3º) .

No ponto, ao contrário do atual art. 46, parágrafo único, do Decreto 70.235/72, o PL não deixa expressa a legitimidade das entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais para formular a consulta tributária. Nesse sentido, embora seja possível sustentar a legitimidade com base noutros dispositivos, o tratamento expresso da questão tende a evitar insegurança jurídica sobre a legitimidade ativa das entidades.

Logo, seria prudente que o § 3º do art. 1º do PL incluísse as entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais à semelhança do vigente art. 46, parágrafo único, do Decreto 70.235/72.

b) Solução de consulta com efeitos vinculantes aos não consulentes (Art. 4º)

Embora em linha com o desejável tratamento tributário uniforme, a outorga de efeitos vinculantes aos sujeitos passivos não consulentes pode gerar inconvenientes relativos – em especial, em caso de entendimentos em matérias muito controversas e de grande relevância financeira (vide, por exemplo, as diversas questões sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS).

c) Ampliação das hipóteses de ineficácia da consulta (Art. 5º).

No ponto, o dispositivo amplia muito as hipóteses atuais de ineficácia da consulta. Além disso, a amplitude de hipóteses e a falta de precisão sobre o alcance delas podem ensejar dificuldades práticas para exame do mérito administrativo das consultas apresentadas ao Fisco (“jurisprudência defensiva” administrativa).

d) Recurso especial (Art. 12); 

O PL possibilita o manejo de recurso especial como instrumento para harmonizar conclusões divergentes de entre soluções de consulta relativas a idêntica matéria.

Contudo, a conformação do instrumento ainda apresenta lacunas que deixam margem a dúvidas procedimentais/processuais.

Primeiro, o art. 12 diz que cabe recurso especial na “unidade indicada no art. 5º”. Contudo, esse dispositivo (art. 5º do PL) não cuida de qualquer órgão ou entidade fiscal (é relativo à ineficácia da consulta). Aqui, parece ter havido erro material na indicação do dispositivo. Por isso, o ideal seria corrigir (indicar o Art. 7º) ou mesmo suprimir a expressão a fim de evitar dúvidas processuais no manejo do recurso especial.

 

III- Conclusão

8- Em resumo, em linha com a finalidade de dar novas feição à consulta fiscal-tributária, o PL promove ajustes com relação ao atual regime processual em busca de conferir mais eficácia e segurança jurídica ao instrumento.

8.1- Nesse sentido, em geral, não apresenta impedimentos jurídicos, podendo ser apoiado.

 

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Fabiano Lima Pereira é advogado da CNI

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