Segurança jurídica para um futuro promissor
Por Marcos Abreu Torres
EDIÇÃO 19 - SETEMBRO 2022
A pandemia da covid-19 exigiu adaptações e sacrifícios em todos os níveis de Poder, nas empresas e na sociedade. Infelizmente, nem todas as vidas e empregos puderam ser salvos. Os seus efeitos poderiam ter sido muito mais devastadores não fossem as rápidas adequações no ordenamento jurídico.
Em junho de 2020, foi publicada a Lei 14.010, prevendo um regime jurídico emergencial de direito privado enquanto durasse a pandemia. No mês seguinte, foi publicada a Lei 14.020, instituindo o programa emergencial de manutenção do emprego e da renda.
Esses foram exemplos concretos de como o Poder Público pode reagir positivamente para a melhoria do ambiente de negócios, mormente em condições tão adversas.
Agora que o mundo superou os piores momentos, o setor produtivo espera recuperar ativos perdidos e voltar a se desenvolver.
No Brasil, essa expectativa coincide com o período das eleições gerais. É um momento, portanto, de muitas expectativas e oportunidades para o país.
Neste contexto, a CNI apresentou aos candidatos à Presidência um conjunto de propostas sobre política industrial, infraestrutura, tributação, relações de trabalho, meio ambiente, ambiente macroeconômico, eficiência do estado e, claro, segurança jurídica.
A insegurança jurídica é um dos fatores que mais prejudicam o ambiente de negócios no Brasil. As empresas precisam confiar na estabilidade das regras para tomar decisões de longo prazo, como contratações, financiamentos, investimentos e inovações. A falta de segurança jurídica dificulta o processo decisório, além de elevar os custos das pessoas, das empresas e do governo em função da maior litigância.
A publicação “Segurança jurídica: estímulo aos negócios”, produzida pela CNI, coloca a segurança jurídica em evidência e aponta para a necessidade de que venha a ser tratada como uma política de Estado, conduzida com alta prioridade por qualquer governo.
Para a CNI, um ambiente institucional estável, seguro, pressupõe, ao menos, três pilares que o sustentem:
- Clareza e publicidade das normas: as leis e os demais atos normativos devem estabelecer, de forma compreensível, direta e objetiva, o que se impõe e quais são as consequências, decorrentes das ações e omissões das pessoas. Além disso, as normas precisam ser divulgadas e permanecer acessíveis, para que todos possam se informar sobre seus direitos e deveres e, com base nisso, organizar suas vidas e seus negócios;
- Estabilidade do direito: se as normas mudam a toda hora, não se tem certeza sobre o que pode ou não ser feito, nem sobre os efeitos jurídicos que as condutas de cada um podem produzir. Mas não é só da produção de normas que se deve tratar. O direito existe da forma como é aplicado na vida das pessoas e, principalmente, no dia a dia da Administração Pública e nos processos judiciais;
- Respeito às decisões anteriores: quando a Administração Pública ou a Justiça definirem uma interpretação a ser seguida, é fundamental que se atenham a essa leitura nos casos posteriores. Nos momentos de mudança – naturais e inevitáveis – é necessário que sejam respeitadas as situações anteriormente constituídas. Como o que importa é a forma como a lei é aplicada, a flutuação na sua interpretação equivale, na prática, à constante edição de novas leis – e não há estabilidade em um ambiente como esse.
Buscando apoiar o próximo Governo na construção de um ambiente institucional propício à retomada de investimentos, a publicação direcionou algumas propostas aos três poderes da República, bem como ao Ministério Público e Tribunais de Contas:
Poder Executivo
1. Divulgar os atos que impactam a esfera dos cidadãos também pela internet, de forma completa e mais facilmente acessível.
2. Dar prosseguimento ao processo de consolidação e atualização das normas infralegais.
3. Tornar obrigatória a obtenção de licença ambiental prévia pelos órgãos da Administração Pública federal, como condição para a realização de licitações.
4. Exigir análise de impacto regulatório e custo-benefício em qualquer processo que envolva a criação, a modificação ou a interrupção de políticas públicas, inclusive quando envolver a edição de decretos ou o envio de projetos de lei ao Legislativo.
5. Reduzir a discricionariedade dos agentes públicos, no âmbito da regulação e na fiscalização das atividades econômicas.
6. Fortalecer as agências reguladoras, garantindo sua autonomia.
Poder Legislativo
7. Incluir análise de impacto legislativo no processo de elaboração das normas.
8. Valorizar informações técnicas relevantes ao editar normas.
9. Maximizar a aderência ao devido processo legislativo.
10. Promover a coerência regulatória no processo legislativo.
Poder Judiciário
11. Promover a cultura de respeito aos precedentes em todos os graus de jurisdição.
12. Democratizar procedimentos de participação da sociedade civil previamente à superação de precedentes.
13. Conferir maior efetividade à participação de representantes empresariais como amicus curiae nos feitos que resultem em precedentes de maior destaque ou força vinculante.
Ministério Público e Tribunais de Contas
14. Harmonizar a atuação dos órgãos de controle, de modo que cada um respeite as orientações dos demais, inclusive no tocante aos acordos de leniência.
Algumas dessas propostas podem ser adotadas imediatamente; outras, dependem de mudanças de comportamento e, portanto, demandam tempo para ser implantadas.
De todo modo, são propostas capazes de reduzir tensões existentes entre os Poderes e promover maior estabilidade institucional. O efeito disso, não há dúvida, é a melhoria do ambiente de negócios e, consequentemente, da vida das pessoas.
A celebração do bicentenário da independência é um momento propício para que o Brasil faça um balanço do seu passado e reflita sobre o que precisa ser feito para um futuro promissor. A melhoria do ambiente institucional, com mais segurança jurídica, é pauta prioritária para o país.
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Marcos Abreu Torres é advogado e gerente de Assuntos Jurídicos de Representação da CNI.