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Aplicação dos valores provenientes de fontes vinculadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Por Christina Aires Correa Lima

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EDIÇÃO 19 - SETEMBRO 2022
imagem de um homem mexendo em um computador representando aplicação de valores vinculadas ao FNDCT

 

I- Objeto

1- Trata-se de análise jurídica da Medida Provisória 1.136/2022 (MPV), que altera a Lei 11.540/2007 para retirar a previsão de proibição de contingenciamento dos recursos das fontes vinculadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

2- A MPV também estabelece limites para a aplicação desses recursos em despesas: para 2022, o limite é de R$ 5,555 bilhões; nos anos seguintes, o limite é um percentual do total da receita prevista no ano (58% em 2023, 68% em 2024, 78% em 2025, 88% em 2026 e 100% em 2027).

3- A Medida Provisória considera como receita prevista no ano a receita estimada e encaminhada pelo Poder Executivo federal ao Congresso Nacional no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA).

4- Eis o seu inteiro teor:

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.136, DE 29 DE AGOSTO DE 2022
Altera a Lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007, que dispõe sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º A Lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 11 ...........
§ 3º A aplicação dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em despesas reembolsáveis e não reembolsáveis observará:
I - no exercício de 2022, o valor de R$ 5.555.000.000,00 (cinco bilhões quinhentos e cinquenta e cinco milhões de reais);
II - no exercício de 2023, 58% (cinquenta e oito por cento) do total da receita prevista no ano;
III - no exercício de 2024, 68% (sessenta e oito por cento) do total da receita prevista no ano;
IV - no exercício de 2025, 78% (setenta e oito por cento) do total da receita prevista no ano;
V - no exercício de 2026, 88% (oitenta e oito por cento) do total da receita prevista no ano; e
II - no exercício de 2023, 58% (cinquenta e oito por cento) do total da receita prevista no ano;
VI - no exercício de 2027, 100% (cem por cento) do total da receita prevista no ano.
§ 4º No exercício de 2022, a alocação de despesas com fontes vinculadas ao FNDCT fica limitada ao valor constante do inciso I do § 3º.
§ 5º Os percentuais estabelecidos nos incisos II a V do § 3º são referenciais e poderão ser ampliados durante cada exercício, exclusivamente em decorrência da abertura de créditos adicionais, nos termos da legislação.
§ 6º Para fins do disposto no § 3º, entende-se como receita prevista no ano a receita estimada e encaminhada pelo Poder Executivo federal ao Congresso Nacional no Projeto de Lei Orçamentária Anual.” (NR)
“Art. 12 .......
§ 2º .......
I - juros remuneratórios equivalentes à Taxa Referencial - TR recolhidos pela Finep ao FNDCT, a cada semestre, até o 10º (décimo) dia útil subsequente a seu encerramento;
.......
§ 4º A divisão dos recursos a que se refere o caput deste artigo, entre despesas reembolsáveis e não reembolsáveis, respeitará a proporção encaminhada pelo Poder Executivo federal ao Congresso Nacional no Projeto de Lei Orçamentária Anual, até que seja atingida a alocação total prevista no inciso VI do § 3º do art. 11.
§ 5º O disposto no inciso I do § 2º se aplica aos saldos devedores dos contratos de empréstimos firmados anteriormente e com execução em curso. (NR)
Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

 

II- Análise

 

II.1-Vedação de edição de medida provisória sobre matéria orçamentária - Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares

 

5-O § 1º do artigo 62 da Constituição estabelece a reserva de lei formal editada pelo Congresso Nacional, proibindo o exercício da competência excepcional do presidente da República de editar medidas provisórias com força de lei nas matérias que elenca, e dentre as quais se encontra vedado na alínea “d”, do referido preceito qualquer matéria orçamentária, que disponha sobre:

 

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
...
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

 

6-Percebe-se que a Constituição não deixa qualquer margem para que o Poder Executivo possa burlar essa norma e retirar a matéria da discussão das leis orçamentárias anuais (LDO), nem dos planos plurianuais, nem mesmo para a disposição sobre créditos adicionais e suplementares, que abarcam todas as formas de remanejamento orçamentário, que demandam lei emanada do Congresso Nacional (art. 167 da CF).

 

7-Destaque-se que a MPV não trata de despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, matérias previstas na ressalva do art. 167, § 3º, que pela evidente urgência, foram excluídas da proibição, para permitir a abertura de crédito extraordinário via medida provisória.

 

8-Também não há margem de dúvida de que a matéria tratada na MP é exatamente a vedada no referido art. 62, § 1º, “d”, da CF como confessado na exposição de motivos que acompanha seu texto. Está claro o objetivo de se modificar a recente alteração promovida na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) para vedar a limitação financeira e empenho das despesas custeadas pelo FNDTC; e na Lei 11.540/2007, para modificar a natureza e fontes de receita do FNDCT, promovidas pela Lei Complementar 177/2021.

 

9-Portanto, não há dúvida de que a MPV trata de matéria orçamentária, em especial ao trazer novas regras para a aplicação dos recursos do FNDCT, revogando a proibição de contingenciamento de recursos das fontes vinculadas ao fundo, imposta pela LC 177/21; além de estabelecer limites orçamentários para a aplicação desses recursos em despesas para o ano de 2022, e nos anos seguintes, até 2027, prever o limite a ser calculado em percentual do total da receita prevista para cada ano.

 

10-Tais previsões de aplicações dos recursos do fundo devem ser estabelecidas no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e nos orçamentos anuais, como prevê o art. 167 da CF.

 

11-Tanto isso é indene de discussões, que o próprio Poder Executivo a incluiu no art. 1º do PLN 17/22 que dispunha sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2022, dispositivo que buscava o mesmo objetivo da presente MPV, qual seja, reduzir as dotações consignadas ao FNDCT.

 

12-No caso, pode-se alegar que a matéria que o art. 1º da proposta busca alterar é matéria reservada à lei complementar, face ao art. 163, I, da CF.

 

13-Ademais a MPV visa, por vias transversas, alterar/burlar o § 2º do art. 9º da LC 101/2000 (LRF), que incluiu dentre as despesas que não podem ser objeto de limitação as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade, sendo que o referido art. 9º está na Seção IV da LRF, relativa à execução orçamentária e cumprimento das metas.

 

14-Tal proposta foi rejeitada pelo Congresso Nacional, para impedir que se retroaja na promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação, que a Constituição incumbiu ao Estado nos seus artigos 218 a 219.

 

15-Em verdade, essa é a terceira tentativa do Poder Executivo de desrespeitar a decisão soberana do Congresso sobre a matéria, como destacada pela Agência Câmara:

No ano passado, quando sancionou a Lei Complementar 177/21 com a proibição de contingenciamento, o governo vetou justamente essa parte, mas o veto foi derrubado pelos parlamentares. Em julho de 2022, deputados e senadores rejeitaram uma nova tentativa do governo de retirar recursos do fundo, prevista no PLN 17/22.

 

16-Nesse ponto, incluímos ao final do parecer a Nota Técnica das Comissões de Orçamento da Câmara e do Senado, oferecida ao PLN 17/22, e que não deixa qualquer margem de dúvidas de que a matéria relativa às previsões de receita e de dotações consignadas ao FNDCT são de ordem orçamentária, incidindo sobre estas a vedação de regulação via MPV.

 

II.2-Inconstitucionalidade de medida provisória - expressa vedação de edição de medida provisória em matéria reservada à lei complementar

 

17-No caso, pode-se alegar que a matéria que o art. 1º da proposta busca alterar é reservada à lei complementar, face ao art. 163, I da CF.

 

18-Isso porque essa matéria é regulada na Lei Complementar 101/2000 (LRF) e a MPV visa, por meios transversos, alterar/burlar o § 2º do art. 9º da LC 101/2000 (LRF), que incluiu dentre as despesas que não podem ser objeto de limitação, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade.

 

19-Percebe-se que esta é exatamente a intenção da proposta ao alterar a redação do § 3º do art. 11 da Lei 11.540/2007, que veda a alocação orçamentária de valores vinculados ao FNDCT, verbis:

§ 3º É vedada a alocação orçamentária dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em reservas de contingência de natureza primária ou financeira. (Incluído pela Lei Complementar nº 177, de 2021) (Parte promulgada pelo Congresso Nacional) (Promulgação partes vetadas)

 

20-Pode-se alegar que esse dispositivo se refere a matéria relativa às finanças públicas, que o artigo 163, inciso I, da CF reservou à regulamentação por Lei Complementar.

 

21-Ademais, a questão foi regulada no art. 9º da Seção IV da LRF, relativa à execução orçamentária e cumprimento das metas, ou seja, finanças públicas.

 

II.3-Inconstitucionalidade material

 

22-A MPV retroage na determinação dos artigos 218 e 219 da Constituição, que determina ao Estado a promoção e o incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação, o que somente é possível com a disponibilização de recursos capazes de realizar essa importante missão para o desenvolvimento nacional.

 

23-O contingenciamento de recursos do FNDCT, pretendido pela MPV, representa um retrocesso nessa garantia constitucional, e deve ser mais uma vez rejeitado. Com efeito, deve ser preservada a decisão do Congresso, ao aprovar a LC 177/2021 para impedir a prática de contingenciamento do FNDCT e rejeitar essa prática conforme foi tentado por meio do PLN 17/22, de reservar recursos suficientes para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

 

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Christina Aires Correa Lima é advogada da CNI

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