Tabelamento do frete e a alteração no gatilho do diesel
Por Christina Aires Correa Lima
EDIÇÃO 18 - Junho 2022
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
I- Objeto
1. - Trata-se de análise jurídica da Medida Provisória 1.117/2022 (MPV), que altera a Lei 13.703/2018, que institui a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, assim resumida:
"Quando ocorrer oscilação no preço do óleo diesel no mercado nacional superior a 5% em relação ao preço considerado na planilha de cálculos, para mais ou para menos, nova norma com pisos mínimos deverá ser publicada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), considerando a variação no preço do combustível.
A redação anterior permitia a alteração na planilha de cálculos quando o preço do óleo diesel no mercado nacional fosse superior à 10%."
II- Análise
2. A alteração não merece apoio da CNI e somente confirma a inadequação do tabelamento de preços de um serviço sujeito a inúmeras variações regionais de custo, dos quais o diesel é a mais relevante, mas não é a única.
3. O mais adequado à realidade econômica e aos princípios das livres concorrência e iniciativa é revogar a lei que instituiu o tabelamento do frete, ou ao mínimo, se retirar o caráter vinculante da tabela de pisos mínimos e deixar que o mercado regule os seus preços, o que é benéfico também aos caminhoneiros que podem ajustar os preços dos fretes, ao custo real do serviço, sem precisar aguardar uma norma da ANTT, para reajustar seus valores.
4. Ademais, com a rapidez da escalada dos preços dos combustíveis, vinculados ao mercado internacional, não haverá sequer uma estabilização temporal da regra da ANTT sobre o preço mínimo do frete, eis que a cada semana esses valores vêm sendo reajustados, exigindo que a agência altere constantemente a norma, o que não é razoável.
5. Tal ocorre pela distorção criada pela Lei do tabelamento dos fretes, que indevidamente intervém na atividade econômica, impedindo que os preços possam ser livremente pactuados pelas partes, sem a necessidade de edição de um ato estatal, que não alcança a realidade dos setores, das regiões, das cargas das formas de negociação, dos tipos de caminhões etc., o que prejudica a todos os envolvidos.
6. A presente MPV não só reconhece a insuficiência da norma da ANTT para de forma eficiente estabelecer os valores do serviço do frete, como faz com que essa norma deva ser constantemente alterada, para tentar estabelecer, de forma muito menos adequada o valor do frete, do que a livre negociação pelas partes, sem qualquer burocracia, senão vejamos.
7. O art. 5º Lei 13.703/2018 confere competência para a ANTT publicar a norma com os pisos mínimos dos fretes até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano, e os valores serão válidos para o semestre em que a norma for editada (§ 1º). Ou seja, a expectativa com a edição da Lei era que o tabelamento tivesse validade, ao menos de seis meses, podendo ser prorrogado caso nova tabela não fosse editada nessas datas (§ 2º).
8. Já o § 3º do mesmo dispositivo, alterado pela MPV, estabelecia um gatilho obrigando a ANTT a publicar nova tabela antes do prazo estabelecido no § 1º sempre que houvesse uma variação de 10% no peço do diesel.
9. Agora a MPV diminui de 10% para 5% a variação do preço do diesel que obriga a ANTT a editar nova norma com os valores do piso mínimo do frete, conforme se verifica das transcrições do referido artigo, antes e após a MPV
“Art. 5º Para a execução da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a ANTT publicará norma com os pisos mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as distâncias e as especificidades das cargas definidas no art. 3º desta Lei, bem como planilha de cálculos utilizada para a obtenção dos respectivos pisos mínimos.
§ 1º A publicação dos pisos e da planilha a que se refere o caput deste artigo ocorrerá até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano, e os valores serão válidos para o semestre em que a norma for editada.
§ 2º Na hipótese de a norma a que se refere o caput deste artigo não ser publicada nos prazos estabelecidos no § 1º, os valores anteriores permanecerão válidos, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou por outro que o substitua, no período acumulado.
§ 3º Sempre que ocorrer oscilação no preço do óleo diesel no mercado nacional superior a 10% (dez por cento) em relação ao preço considerado na planilha de cálculos de que trata o caput deste artigo, para mais ou para menos, nova norma com pisos mínimos deverá ser publicada pela ANTT, considerando a variação no preço do combustível.
§ 3º Sempre que ocorrer oscilação no preço do óleo diesel no mercado nacional superior a 5% (cinco por cento) em relação ao preço considerado na planilha de cálculos de que trata o caput deste artigo, para mais ou para menos, nova norma com pisos mínimos deverá ser publicada pela ANTT, considerando a variação no preço do combustível. (Redação dada pela Medida Provisória 1.117/2022)
§ 4º Os pisos mínimos definidos na norma a que se refere o caput deste artigo têm natureza vinculativa e sua não observância, a partir de 20 de julho de 2018, sujeitará o infrator a indenizar o transportador em valor equivalente a 2 (duas) vezes a diferença entre o valor pago e o que seria devido, anistiadas as indenizações decorrentes de infrações ocorridas até 31 de maio de 2021. (Redação dada pela Lei 14.206/2021)
§ 5º A norma de que trata o caput deste artigo poderá fixar pisos mínimos de frete diferenciados para o transporte de contêineres e de veículos de frotas específicas, dedicados ou fidelizados por razões sanitárias ou por outras razões consideradas pertinentes pela ANTT, consideradas as características e especificidades do transporte.
§ 6º Cabe à ANTT adotar as medidas administrativas, coercitivas e punitivas necessárias ao fiel cumprimento do disposto no § 4º deste artigo, nos termos de regulamento.”
11. Percebe-se que a exposição de motivos da MPV reconhece que a metodologia de tabelamento do frete, por lei, “tem se mostrado, todavia, insuficiente para aplacar a brusquidão dos movimentos ascendentes dos preços internacionais do petróleo”, justificado pela guerra entre Rússia e a Ucrânia.
12. Ocorre que a solução adotada na MPV também se mostra inadequada, ineficaz e não razoável, além de não computar os demais custos, que também vem sofrendo o impacto inflacionário. Portanto, não é real a afirmação de que o tabelamento beneficia o caminhoneiro, que também fica refém da norma da ANTT para reajustar seu preço.
13. Como colocado na exposição de motivos, o diesel acumula alta de 52% nos últimos 12 meses, segundo o IPCA-15 em abril, do IBGE.
14. Pela nova forma de cálculo, que dispara o gatilho para a alteração da norma da ANTT, sempre que há variação em 5% no valor do diesel, teríamos ao menos umas dez tabelas de frete nos últimos 12 meses, com enorme dispêndio de energia da administração pública (ANTT), para refazer e publicar essa tabela, desgaste político para o Governo que fica sempre pressionado pelos caminhoneiros para alterar a tabela, e dos setores que a questionam, além da insegurança jurídica para toda essa atividade econômica, que não pode negociar livremente o preço de um serviço, como ocorre em situação regular do mercado, em especial para os caminhoneiros que não podem atualizar seus fretes, pois dependem da emissão da norma da ANTT.
15. Portanto, a alteração promovida pela MPV somente reforça a inadequação da medida legislativa (tabelamento do frete) para o fim que se destina (proteção aos caminhoneiros frente são aumento sucessivo do preço do diesel), em violação ao princípio da proporcionalidade, que deve ser observado nas proposições legislativas.
16. Tal avaliação também é compartilhada pelos caminhoneiros, que entendem a medida como paliativa, conforme noticia o site Poder 360:
O deputado Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, disse que a medida é paliativa e está ‘somente tratando os efeitos da causa’. ‘Dá para entender que o governo está declinando a favor da constitucionalidade da proposta de piso mínimo’, afirmou em nota. Segundo Crispim, Bolsonaro não ‘toma atitude’ para tratar ‘doença principal que é o PPI’. ‘Claro que os caminhoneiros querem que seja reconhecida e declarada a constitucionalidade dessa lei, assim como possa ser exigido nacionalmente o seu cumprimento, porém, não resolve o problema crítico dos combustíveis’, disse.
Para Crispim, o presidente resolverá o problema quando a resolução do PPI (Preço de Paridade de Importação) for suspensa. Já a Abrava (Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores) avaliou a medida provisório como ‘inócua’. Afirma que a ANTT não fiscaliza a aplicação da lei e que ‘vai continuar tudo igual’.”
17. Portanto, o Governo tira das partes o poder de estabelecer o preço de mercado dos fretes, com um tabelamento que não tem condições de fiscalizar e usa a Política dos Preços Mínimos como um paliativo para a questão dos aumentos sucessivos dos combustíveis, o que viola o princípio da proporcionalidade nos seus três aspectos, como já destacado na petição da ADI 5964 da CNI. Fica ainda mais clara essa inadequação do meio ao fim, bem como a inconstitucionalidade da medida, que merece ser revogada, ou, ao menos, alterada para tornar a tabela de frete apenas referencial e não obrigatória.
18. Ante o exposto, a CNI deve ser contrária a aprovação das alterações promovidas pela MPV, pois esta não resolve o problema e mantém o tabelamento do frete como se essa fosse a solução para o aumento sistemático dos combustíveis. Caso se entenda politicamente oportuno, pode-se aproveitar que a alteração promovida pela MPV deixa clara a inadequação da Política de Tabelamento do Frete, para novamente tentar levar argumentos para que o Congresso revogue a Lei 13.703/2018, ou ao menos a altere para tornar a tabela referencial, e não obrigatória.
3 - Conclusão
19. A CNI não deve apoiar a proposta, que não é adequada ao fim de resolver o problema dos constantes aumentos dos valores do óleo diesel, vinculados ao mercado internacional. A justificativa do Governo apenas demonstra a necessidade de se revogar a Lei 13.703/2018 (Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas) para permitir que os agentes econômicos fiquem livres para pactuar os preços sem as amarras de um tabelamento, que depende de constantes atualizações das normas da ANTT e não refletem a realidade e a agilidade do negócio.
20. Deve-se avaliar se, com a votação da MPV, restaria demonstrada a inadequação do tabelamento do frete para solucionar a questão e se há espaço político para, novamente, buscar a revogação da Lei da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviários de Cargas, ou, ao menos, para torná-la apenas referencial.
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Christina Aires Correa Lima é advogada da CNI