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Controle para isenções, incentivos e benefícios fiscais

Por Pedro Henrique Braz Siqueira

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EDIÇÃO 18 - Junho 2022
imagen de modelos de cifrão representando controle para isenção, incentivos e benefícios fiscais

 

I- OBJETO

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei Complementar 214/2021 (PLP), cujo objetivo é estabelecer parâmetros de controle para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, assim resumido:

“- Exige que a lei que crie incentivo fiscal (subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão) conterá:

i. Justificativa técnica para a concessão do benefício, alinhada com os mecanismos de planejamento orçamentário do órgão e compreendendo a estimativa do impacto na receita pública;
ii. Prazo determinado para a vigência do benefício, vedada a renovação automática;
iii. Mecanismos de acompanhamento e avaliação dos benefícios;
iv. Identificação do órgão gestor.

- Estabelece ainda que os incentivos e benefícios fiscais observarão os seguintes requisitos:

i. Prazo de vigência de até 10 anos;
ii. Não poderão implicar anistia, total ou parcial, de multas aplicadas em decorrência da prática de sonegação, fraude, conluio ou conduta tipificada como infração penal;
iii. Não poderão implicar concessão de parcelamento ou moratória do mesmo tributo a contribuinte já favorecido nos cinco exercícios anteriores;
iv. Terão seus montantes e pessoas jurídicas beneficiárias anualmente divulgados.

- O disposto acima não revoga nem dispensa o cumprimento das disposições relativas à forma, prazo e condições para concessão e alteração de benefícios fiscais já estabelecidos.”

 

2- Na justificativa oferecida assinala-se que o volume de receitas públicas renunciado por meio da concessão de benefícios fiscais é cada vez mais significativo nas três esferas de Governo.

 

3- Propõe-se, nesse contexto, a criação de mecanismos institucionais capazes de conter a expansão dos benefícios fiscais, mesmo em momentos de crise, e de assegurar um processo decisório transparente e suficientemente institucionalizado para a sua concessão.

 

II- Análise

II.1. ASPECTOS FORMAIS

4- Não há impedimentos jurídicos formais à proposta, estando o projeto de acordo com o disposto no art. 61 da Constituição.

5- A proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado (Congresso Nacional) e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por lei complementar, legislar nessa matéria, nos termos dos arts. 24, inciso I, 48, incisos I e II, 146, inciso III, alínea “b”, e 163, incisos I e V, todos da Carta da República.

II.2. ASPECTOS MATERIAIS

6- Quanto ao mérito, percebe-se que a proposição ora em análise visa instituir parâmetros de controle para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais.

7- Não se vislumbram impedimentos legais ao projeto, o qual procura conferir balizas mais firmes para que os Entes Federados confiram isenções, incentivos e benefícios fiscais, trazendo assim uma maior disciplina e transparência nos planos tributário, financeiro e fiscal e fortalecendo a previsão constitucional contida no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

8- Todavia, deve-se consignar que a redação de trechos da propositura demanda alguma reflexão, porquanto eventual apoio recomendaria um aprimoramento, especialmente para os incisos II e III do art. 14-A, inseridos pelo art. 2º do projeto.

9- No inciso II, indica-se que não poderia haver anistia de multas por sonegação, fraude, conluio ou conduta tipificada como infração penal, não havendo clareza quanto à aplicação de benefícios fiscais em relação ao principal e aos juros.

10- Embora os arts. 113 e seus parágrafos, 114, 115, 139 e 142, todos do Código Tributário Nacional, conduzam à conclusão de que a multa de natureza qualificada terá o crédito correspondente constituído de forma autônoma ao crédito tributário do principal, é salutar que do dispositivo conste previsão expressa que limite o gozo do benefício tributário tão somente no que tange à multa.

11- Por sua vez, no inciso III é preciso haver indicação expressa que a limitação para concessão de parcelamento é restrita às hipóteses especiais de parcelamento, nas quais os benefícios de ordem tributários e que repercutem na esfera fiscal efetivamente são concedidos.

12- É preciso ponderar, contudo, que previsão dessa natureza em alguma medida limita a autonomia dos Entes Federados subnacionais para tratar de matéria tributária.

13- Para além disso, é deveras difícil isolar completamente o benefício, como causa, e os efeitos a serem apurados como consequências, uma vez que não nos encontramos em um sistema fechado e sim em um universo de incontáveis variáveis e interações.

14- Ponderação no mesmo sentido constou em parecer que examinou projeto em que igualmente se pretendia estabelecer a necessidade de metas de resultados para a criação de benefícios fiscais:

“Sob o ponto de vista material, também não vemos impedimentos à aprovação do projeto.

Quanto ao seu mérito, nos parece que o projeto está fundado numa visão simplista da realidade. Suas disposições parecem crer que seja possível isolar uma ou duas variáveis e determinar uma relação de causalidade futura. Há variáveis externas, imprevisíveis, como crises econômicas, problemas da natureza, dentre tantas outras, que podem afetar os resultados esperados. Assim, onde se esperava geração de emprego e renda, pode ter havido preservação ou menor diminuição do emprego e da renda.

O projeto, contudo, está redigido de forma a não contemplar outras variáveis na aferição do resultado relativo das metas. Assim, é bem possível que a realidade que virá a emergir da avaliação, seja do controle interno, seja do controle externo, represente uma visão distorcida da realidade, uma visão falsamente objetiva, que não contempla o que efetivamente ocorreu, e isto por não contemplar o contexto econômico e social dado pelas variáveis não consideradas.

É bem verdade que o destinatário dessas avaliações é o legislativo, a quem caberá revogar ou não, prorrogar ou não, as leis relativas a benefícios fiscais. Não se pode desconsiderar, contudo, que a realidade brasileira, já de bastante tempo, é de ativismo dos tribunais de contas e, mais especialmente, do poder judiciário e do Ministério Público. Não é difícil imaginar, nesse contexto, que o projeto de lei complementar em exame, caso aprovado, dê causa a mais invasões de competência, a mais incerteza jurídica do que a hoje existente.

Ao nosso ver, os mesmos e louváveis objetivos perseguidos pelo projeto, de publicidade e accountability, podem ser alcançados sem os efeitos nocivos aqui apontados.

Para tanto, deveria ser estabelecida a ampla divulgação dos benefícios existentes, com destaque para os recém concedidos, bem como a abertura dos dados que não envolvam segredos comerciais ou industriais para estudos e pesquisas.

Assim, universidades, institutos de pesquisa, e até mesmo grupos de interesse podem fazer levantamentos, relatórios, e pesquisas sobre os efeitos dos benefícios, tanto a favor quanto contra. Com esses dados é mais fácil um debate público quanto aos resultados. Com este debate a decisão do Parlamento poderá ser mais bem instruída.

A vantagem que vemos aqui está em deixar claro o caráter também político da pesquisa e dos estudos, afastando a falsa objetividade, a falsa cientificidade, que, supomos, emergiria do modelo proposto no projeto de lei complementar em exame.

15- As considerações feitas continuam atuais e não merecem retoques.

16- Além disso, a pretensão de se possibilitar a identificação das pessoas jurídicas beneficiárias de isenções e incentivos tributários, embora esteja em consonância com o decidido pelo STF na ADI 2.859/DF, já foi objeto de exame nosso, tendo-se registrado a possível inconveniência de mudança nesse sentido:

“Regra semelhante é a prevista no artigo 31, que possibilita à Administração Tributária de cada Ente Federado de divulgar a identidade de contribuinte beneficiado por ato de renúncia de receita de que trata o artigo 14 da LRF, bem como o valor do benefício concedido e efetivamente utilizado, com suas condições, obrigações e prazos.

É preciso destacar que dispositivo nesse sentido, em que pese gere maior transparência, tem o condão de implicar em uma exposição exacerbada de empresas do setor industrial, que comumente são beneficiarias de concessão ou de ampliação de incentivo ou de benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.”

17- Por ser um tema sensível e de grande interessante para o setor industrial, recomenda-se avaliação técnica da área econômica, a fim de ponderar os potenciais efeitos econômicos que a medida proposta pode representar (por exemplo, sobre eventual impacto da diminuição paulatina de benefícios fiscais sobre as empresas do setor industrial), bem como uma avaliação político-setorial para definição do apoio institucional nessa questão.

III- Conclusão

18- Conclui-se, portanto, que o apoio da CNI ao PLP 214/21 prescinde de um exame de impactos econômicos e depende de conveniência político-setorial.

19- Caso assentada a conveniência do apoio da CNI, é interessante que se indique emenda de teor semelhante à sugerida no corpo do presente expediente, a fim de modificar a previsão contida nos incisos II e III do art. 14-A, que poderão ser incluídos pelo art. 2º do projeto à Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

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Pedro Henrique Braz Siqueira é advogado da CNI

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