PEC emergencial
PEC 186/2019 que busca viabilizar o retorno do auxílio emergencial – Também busca reforçar regras de retorno ao equilíbrio e sustentabilidade da dívida pública – Texto que não contém vícios jurídicos aparentes, embora careça de aperfeiçoamentos.
por Gustavo Amaral
EDIÇÃO 14 - ABRIL 2021
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
I- Objeto
1- Trata-se de análise jurídica da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019 (a chamada PEC emergencial). Dada à urgência, será feito exame pontual, sem prejuízo de considerações gerais ao longo do texto.
II- Análise
2- Art. 29-A: A PEC modifica o caput desse artigo para incluir no teto de gastos as despesas com pessoal inativo e pensionistas. Na redação atual não há referência a pensionistas. A medida nos parece correta, já que o gasto com pensionistas tem a mesma natureza que os gastos com inativos. Contudo, é preciso lembrar que a mudança foi apenas no caput, na base de cálculo do total das despesas, e não no percentual. A vacatio determinada, postergando o início de vigência do novo limite para o início da legislatura seguinte à promulgação da emenda, talvez não seja suficiente, ainda mais se a promulgação vier a ocorrer a um ou dois anos da eleição municipal.
3- Art. 37, § 16: Prevê que a lei crie uma avaliação de políticas públicas. A matéria está pouco definida, será a lei, na verdade, que determinará o que será examinado, como será examinado e quais as consequências do exame. Há, no § 16 do art. 165 da CF, acrescentado pela proposta, previsão de que as leis orçamentárias observem, no que couber, os resultados das avaliações aqui previstas.
4- Art. 49, XVIII e art. 84, XXVIII: A PEC atribui ao Congresso Nacional competência para decretar o estado de calamidade pública que permite excepcionar regras de prudência fiscal. Ao presidente da república cabe propor a decretação. A medida parece gerar uma distribuição razoável de poder.
5- Art. 163, VIII; 164-A e § 2º do art. 165: A PEC acrescenta novo inciso ao art. 163 da CF. Por ele caberá a lei complementar definir critérios de sustentabilidade da dívida. Esses critérios serão vinculantes para Estados, DF, Municípios, bem como a própria União. Não há essa referência no texto, mas tanto os demais incisos do art. 163 da CF são aplicáveis aos três níveis da federação quanto o art. 167-A, acrescentado pela proposta e ao qual o parágrafo único acrescentado ao art. 163 remete, alude expressamente a Estados, DF e Municípios. Do mesmo modo, o art. 164-A, acrescentado, determina expressamente a observância do inciso VIII do art. 163 por União, Estados, DF e Municípios.
5.1- A sustentabilidade da dívida pública é um objetivo mais que desejável. A previsão de regras nacionais, cogentes, é bem-vinda.
6- Art. 167, IV: A PEC explicita as vinculações permitidas de receitas. A redação atual proíbe a vinculação de impostos. A PEC veda a vinculação de receitas, previsão bem mais ampla, e elenca as exceções, várias, quanto a taxas, preços públicos, doações recebidas. A evolução parece elogiável, pois evita a criação de novas exceções.
7- Art. 167-A: É acrescentado à CF um gatilho segundo o qual, extrapolado o limite de 95% de despesas e receitas correntes, ficam vedadas concessões de aumentos e vantagens a servidores, bem como promoções. Há também previsão, no § 1º, de que superado o percentual de 85% de despesas em relação às receitas, o Executivo tomar as medidas, mas com aval do Legislativo em até 180 dias. Não havendo o reconhecimento pelo Legislativo, o ato perde a eficácia, mas os atos praticados têm sua validade mantida.
8- Arts. 167-B, C, D, E, F e G: Esses artigos permitem a decretação de estado de calamidade pública, por iniciativa do Presidente da República e decisão do Congresso Nacional. Na vigência do Estado de Calamidade, a União fica autorizada a adotar processos simplificados de contratação de pessoal e de obras, ficando estas fora dos limites de gastos, salvo as que representem despesa obrigatória de caráter continuado.
8.1- No período de calamidade fica excepcionada a vedação de quem tenha débitos com a seguridade social de contratar com o Poder Público ou obter empréstimos em bancos públicos. Neste aspecto nos parece que a medida deveria ser mais bem avaliada. Haveria uma supressão de efeitos durante a calamidade, permitindo que aquele que tinha débitos anteriores e estava proibido de contratar passe a estar livre, mas que findo o período a vedação volte de uma só vez, ou os débitos que vencerem nesse período é que não produziriam os efeitos do § 3º do art. 195 da CF? O texto é dúbio e a questão deve ser mais bem esclarecida.
8.2- Outra regra que merece melhor explicitação é o § 2º do art. 167-G. O texto prevê que nos casos de decretação de calamidade o repasse para financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste previsto no art. 159, I, c, da CF deve manter os valores do exercício anterior.
8.3- Ora, se há calamidade é de ENORME probabilidade que a arrecadação caia. Se o repasse para os fundos regionais fica congelado no valor nominal, ou bem haverá diminuição no repasse aos fundos dos Estados, ou ao dos Municípios, ou a ambos, ou ainda haverá obrigação de a União suportar a diferença entre o que corresponderia a 3% da arrecadação efetiva e o montante correspondente ao valor do exercício anterior.
8.4- O texto não oferece instrumentos para compreender qual será a solução: maior sacrifício da União, maior sacrifício do Fundo dos Estados, do Fundo dos Municípios, ou de ambos, ou ainda uma combinação de sacrifícios da União e dos fundos. Isto deveria ser aprimorado.
9- Art. 169: A PEC inclui pensionistas na regra do caput, o que é um avanço salutar.
10- ADCT, art. 101: A PEC aumenta o prazo de parcelamento de precatórios em mais cinco anos, até 31/12/2029.
11- ADCT, art. 109: A PEC modifica a redação do artigo para que a verificação do descumprimento do limite de despesas se dê na aprovação da lei orçamentária, a fim de deflagrar as medidas de defesa da sustentabilidade orçamentária. Antes a verificação se dava na medida da realização da despesa.
11.1- No inciso I a redação é ajustada. Hoje a vedação é a vantagens decorrentes de decisão judicial ou lei anterior à emenda (EC 95/2016), agora exige-se que seja anterior à medida. No inciso VI são vedados também os benefícios de cunho indenizatório.
12- O art. 3.º da PEC permite que o auxílio emergencial, em 2021, não fique sujeito ao teto de gastos. Já o art. 4º estabelece que o Presidente da República deve encaminhar ao Congresso, em 6 meses após a promulgação, plano de redução gradual de incentivos fiscais.
12.1- No § 2º desse artigo são excepcionados diversos benefícios fiscais, mas não é esclarecido se o regime favorecido para as micro e pequenas empresas, para entidades sem fins lucrativos, para a ZFM, dentre outros, ficam excepcionados apenas dos cortes ou se, também, não comporão o cálculo total para mensurar a redução em 10% e para o atingimento do limite máximo de 2% do PIB, previstos nos incisos I e II do § 1º desse artigo. Ao nosso ver isto deveria ser tratado de modo mais claro.
13- Nas revogações, o art. 6º extingue os repasses da União para compensar as perdas de ICMS dos Estados decorrentes de exportações. Isto talvez tenha reflexos negativos para os exportadores. É também revogada a regra que prevê a disponibilização, pela União, de linha de crédito especial para que os Estados paguem seus precatórios.
III - Conclusão
14- Como visto, a PEC não desafia cláusulas pétreas da Constituição. Há, de um lado, a busca de mecanismos para permitir a retomada de gastos sociais, relativos à pandemia, sem lastro nas regras financeiras vigentes e, de outro lado, no reforço dessas regras para dar à sociedade uma expectativa de que, adiante, as finanças públicas retomarão o caminho da sustentabilidade.
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Gustavo Amaral é advogado da CNI