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Dispensa de empregado que optar por não receber a vacina da covid-19

Projeto de lei que impede que opção do empregado em não se vacinar contra a covid-19 seja considerada conduta passível de demissão por justa causa – Proteção do âmbito coletivo em detrimento do exercício vazio (não fundamentado) da liberdade individual – Restrições ao uso legítimo do poder diretivo do empregador e risco da atividade econômica.

por Fernanda de Menezes Barbosa

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EDIÇÃO 14 - ABRIL 2021
Imagem de uma pessoa tomando uma vacina representando dispensa de empregado que não tomar vacina contra covid

I- Objeto

 

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PL) 149/21, que pretende vedar a caracterização de justa causa para a dispensa do empregado que opta por não receber a vacina contra o novo coronavírus e caracteriza como discriminatória a dispensa sem justa causa pelo mesmo motivo.

1.1- O texto está assim proposto:
 

Art. 1º É vedado ao empregador pessoa física ou jurídica motivar dispensa por justa causa com base na opção do empregado de não se submeter à aplicação de vacina destinada ao combate do novo coronavírus - SARS-CoV-2, causador da doença covid-19.


Art. 2º É considerada discriminatória a dispensa sem justa causa, que comprovadamente tenha como motivação a recusa do empregado à imunização contra a doença covid-19, respeitada a liberdade fundamental do empregado.


Art. 3º Fica sujeito o empregador que ferir o disposto nos artigos 1º e 2º ao pagamento das verbas trabalhistas previstas na legislação, bem como aos danos materiais e morais eventualmente apurados.


Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

2- A autora alega em sua justificativa que "Ser inoculado por uma substância alegadamente imunizante contra doença em circulação deve necessariamente passar pela liberdade de escolha do indivíduo. De modo que não se pode cogitar do uso da força, para o atingimento de semelhante objetivo, assim como não se pode cogitar da estipulação de consequências jurídicas ao exercício dessa liberdade fundamental que não estejam intimamente relacionadas com situações excepcionais que justifiquem algum tipo de restrição ao exercício de direitos. Nesse contexto deve prevalecer a livre escolha do cidadão ora empregado em se submeter, ou não, a vacinas produzidas em tão curto lapso temporal, haja à vista o direito à vida, à liberdade e à saúde serem expressamente assegurados na Constituição Federal. No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade ns.º 6.586 e 6.587, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, entendeu, por maioria, que os Poderes Públicos das três esferas da Federação podem adotar medidas indiretas de compulsão para o recebimento da vacina por quem não a deseje, a exemplo da restrição ao exercício de atividades e a proibição de frequentar determinados lugares, desde que expressamente consignado em lei aprovada por seus respectivos parlamentos."

 

II- Análise

 

Aspectos formais

 

3- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (artigo 61 e seu § 1º, da Constituição Federal).

3.1- No aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (artigo 22, inciso I da Constituição Federal).

 

Aspectos materiais

 

4- A proposta visa impedir que a opção do empregado em não se vacinar contra a covid-19 seja considerada conduta passível de demissão por justa causa, assim como considera discriminatória a demissão sem justa causa que tenha o mesmo motivo.

 

5- Preliminarmente, impedir peremptoriamente que determinada conduta seja considerada para fins de rescisão por justa causa do contrato de trabalho, ou ainda, impedir a denúncia vazia do contrato de trabalho, notadamente da forma em que proposta, esbarra no obstáculo de inconstitucionalidade material por violação à livre iniciativa e exercício da atividade econômica. A autonomia privada pode autorizar que o empregador estipule determinadas normas de conduta a serem seguidas por seus empregados, especialmente se a determinação tiver como fim a proteção coletiva da saúde.

 

6- Sobre o aspecto do âmbito de proteção e do sopesamento de direitos envolvidos no aparente conflito, é importante mencionar que a situação excepcional em que vivemos requer uma visão voltada à proteção do coletivo e do social, em detrimento do exercício vazio da autonomia e liberdade individuais. É difícil defender que a mera opção (desfundamentada) do empregado possa ser validada em abstrato diante do risco de uma contaminação no ambiente de trabalho. A Constituição Federal e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal baseiam-se nesse equilíbrio de âmbitos de proteção e dimensões de direitos, especialmente quando validam restrições ao exercício de direito individual que impeça ou interfira na esfera coletiva.

6.1- Ainda que a covid-19 seja uma doença pandêmica – que não pode ser considerada ocupacional sem que se obedeçam aos requisitos legais (comprovação de nexo de causalidade) – é inegável que cabe ao empregador zelar pelo meio ambiente de trabalho sadio. E, em meio a medidas de saúde e segurança atreladas à atividade desenvolvida por seus empregados, estão medidas de saúde e integridade vinculadas à saúde pública, como, por exemplo, medidas de prevenção à covid-19.

6.2- Para além, falta razoabilidade à determinação legal de que uma dispensa sem justa causa, que tenha como fim a proteção da saúde coletiva, possa ser considerada discriminatória. No ponto, a demissão seria a ultima ratio que caberia ao empregador, notadamente diante do alargamento da imposição de sua responsabilidade no que concerne à expansão dos casos de covid-19. Prever peremptoriamente que essa é uma conduta inaceitável é excluir do empregador a análise dos pormenores a depender de cada circunstância, sejam elas individuais de cada empregado, regionais com relação ao crescimento do número de casos, ou ainda específicas da atividade e da organização do modo de produção (possiblidade de formas alternativas de prestação de serviço como o teletrabalho).

 

7- Para além das ponderações feitas até aqui, existem mais questões que envolvem a consequência jurídica da não vacinação de empregado. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 6.586 entendeu que a vacinação é compulsória, mas não forçada, prevendo ser possível o estabelecimento de medidas restritivas de direito pelos entes federativos dentro das respectivas competências, desde que respeitadas determinadas condições. Segue abaixo, a Ementa:

AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. VACINAÇÃO COMPULSÓRIA CONTRA A COVID-19 PREVISTA NA LEI 13.979/2020. PRETENSÃO DE ALCANÇAR A IMUNIDADE DE REBANHO. PROTEÇÃO DA COLETIVIDADE, EM ESPECIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS. DIREITO SOCIAL À SAÚDE. PROIBIÇÃO DE VACINAÇÃO FORÇADA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CONSENTIMENTO INFORMADO DO USUÁRIO. INTANGIBILIDADE DO CORPO HUMANO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, LIBERDADE, SEGURANÇA, PROPRIEDADE, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. VEDAÇÃO DA TORTURA E DO TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE. COMPULSORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO A SER ALÇANÇADA MEDIANTE RESTRIÇÕES INDIRETAS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E ANÁLISES DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SEGURANÇA E EFICÁCIA DAS VACINAS. LIMITES À OBRIGATORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO CONSISTENTES NA ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA CUIDAR DA SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA. ADIS CONHECIDAS E JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. 
I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis. 
II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. 
III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes. 
IV – A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no exercício do poder-dever de “cuidar da saúde e assistência pública” que lhes é cometido pelo art. 23, II, da Constituição Federal. 
V - ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou delas decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

 

7.1- A decisão acima não considerou diretamente a relação empregatícia, tendo respondido o tema sob o ponto de vista de medidas de Governo diante da recusa social a vacinar-se contra a covid-19. Esse ponto é relevante pois a decisão parece não alcançar a competência do empregador para instituir as chamadas medidas indiretas de implementação da vacina.

 

8- Mais além, ainda é objeto de debates a exata delimitação da responsabilidade do empregador nesse contexto de pandemia (que muito ultrapassa os limites do ambiente de trabalho da atividade desenvolvida). Parece natural a possibilidade da imposição da vacinação a seus empregados diante de um contexto de invariável obrigação por parte do empregador por toda e qualquer contaminação ocorrida em seus quadros de um vírus pandêmico de transmissão comunitária há mais de um ano no país (que já conta com diversas variantes e mutações que permitem a reinfecção).

8.1- Em outros termos, seria incongruente responsabilizar amplissimamente o empregador por um lado e, por outro, impedi-lo de realizar a última medida possível para garantir a redução da transmissão da doença e da ocorrência de seus casos mais graves.

8.2- Sobre o tema, o Ministério Público do Trabalho publicou, em janeiro de 2021, Guia Técnico Interno do MPT Sobre Vacinação da Covid-19 e, no que se referem às repercussões da vacinação nas relações de trabalho, concluiu, em resumo, que incumbe ao trabalhador colaborar com as políticas de contenção da pandemia da covid-19, não podendo, salvo situações excepcionais e plenamente justificadas, opor-se ao dever de vacinação. Prossegue prevendo que a recusa injustificada pode ser alvo de sanções disciplinares, mas, antes, deve ser observado o dever de informação e convencimento e a possibilidade de afastamento do empregado para realizar suas atividades em teletrabalho. Apenas caso todas as medidas de convencimento falhem, e sendo impossível o trabalho remoto, a demissão por justa causa seria lícita.

 

III - Conclusão

 

9- Percebe-se que a interpretação conjunta dos elementos normativo-jurídicos vigentes pode apontar para a responsabilidade ampla do empregador. Somar a isso a vedação legal de demitir por ou sem justa causa empregado que se recusa a vacinar-se é deixar à própria sorte todos os empregadores, impedidos que estarão de utilizar seu poder diretivo, que decorre diretamente da assunção do risco da atividade econômica.

9.1- Nesse sentido, repise-se, a proposta não oferece solução jurídica viável para a questão, que é mais complexa e ampla, sendo mais razoável a possibilidade de o empregador, tendo cumprido com suas obrigações dentro do limite legal, avaliar as medidas internas a serem tomadas, assim como as possíveis rescisões de contrato de trabalho.

 

10- Diante do exposto acima, a recomendação jurídica é pelo não apoio da CNI ao PL 149/21. 

 

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Fernanda de Menezes Barbosa é advogada da CNI

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