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Novo Marco Regulatório do Gás Natural - Convivência harmônica dos regimes constitucionais diferenciados disciplinados para as atividades de transporte e distribuição - Favorável ao setor produtivo - Alguns pontos merecem observação.

por Alexandre Vitorino Silva

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EDIÇÃO 12 - OUTUBRO 2020
imagem de um cano de gás representando novas tecnologias

I- Objeto

1- Trata-se de análise jurídica sobre a constitucionalidade e conveniência do Projeto de Lei nº 6.407/2013 (PL), que disciplina o marco regulatório do gás.

 

II- Análise

II.I Aspectos formais

2- O art. 177, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) dispõe que a União disciplinará a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União no tocante às atividades relacionadas nos incisos I a IV do art. 177.

3- Não se trata de matéria cuja iniciativa seja reservada ao Presidente da República, de tal sorte que é legítima a iniciativa parlamentar.

4- Diante das normas constitucionais que disciplinam o processo legislativo, portanto, não se divisa qualquer desconformidade a provocar inconstitucionalidade formal.

II.II Aspectos materiais

5- No mérito, o projeto de lei é substancialmente compatível com a Constituição.

6- Embora seja passível de discussão, à luz do princípio federativo (art. 1º) e do art. 25, § 2º, da Constituição, a atribuição de competência à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), pelo art. 7º do projeto, para categorizar gasodutos de distribuição como gasodutos de transporte, a finalidade da proposição é justamente a de estabelecer solução institucional para a insegurança jurídica que derivaria da incerteza quanto ao regime que regeria a movimentação do gás, dependente de sua qualificação como transporte ou distribuição.

7- Assim, em uma interpretação sistemática da Carta, a solução aventada no PL parece justamente permitir a convivência harmônica dos regimes constitucionais diferenciados disciplinados para a atividade de transporte (art. 177, IV, da CRFB) e de distribuição (art. 25, § 2º, da CRFB). Isso porque a primeira atividade é monopólio da União, ao passo que a segunda é confiada aos Estados-Membros.

8- Quanto à conveniência, o projeto é, em boa medida, favorável aos interesses econômicos do setor produtivo.

9- É o que se demonstra a partir de uma abordagem analítica das vantagens concebidas pelo PL nº 6.407/2013 em uma confrontação com o atual marco regulatório vigente, disciplinado pela Lei nº 11.909/2009 e por farta regulamentação emanada da ANP.

10- São as seguintes as vantagens notadas na novel disciplina tratada na proposição:

(i)  O novo regime mitiga a Centralidade Estatal

O projeto de lei, em teoria, poderá levar a um barateamento dos custos do gás natural, havendo a expectativa de que seja barateado em até 40%. Diante da relevância do insumo, terá, portanto, previsível impacto positivo na indústria química, da cerâmica e de vidros.

Não bastasse, o barateamento do gás também favorecerá, em princípio, a atividade das termoelétricas e das indústrias que empregam energia de forma intensiva.

O Projeto tem, outrossim, a virtude de ser democrático, pois é fruto de debates intensos na Comissão de Minas e Energia;

(ii) O PL incentiva a entrada de capitais privados em diversas atividades relacionadas à cadeia econômica do gás;

(iii) Permite, ainda, o acesso de terceiros às infraestruturas essenciais. Hoje, somente os gasodutos de transporte recebem esse tratamento de estrutura essencial;

(iv) O novo marco regulatório estabelece que os gasodutos de escoamento da produção, as instalações de tratamento ou processamento de gás natural e os terminais de liquefação e regaseificação serão obrigados a permitir o acesso de terceiros à capacidade disponível, observado o direito de preferência dos seus proprietários para movimentar os seus próprios dutos. Cuida-se de ferramenta fundamental para permitir a competição.

O acesso a terceiros poderá, ainda, figurar como instrumento importante para mitigar a prática, em tese, do abuso de posição dominante no mercado.

O PL, que já foi aprovado na Câmara e agora vai para o Senado, altera, portanto, nesse ponto, o sistema do art. 45 da Lei nº 11.909/2009, que, de acordo com o direito vigente, autoriza os proprietários do duto a não franquear o acesso a terceiros.

O novo conceito apoia-se na doutrina das essential facilities (já presente no Brasil em setores como energia elétrica, ferrovias e telecomunicações). Daí se prever o acesso negociado e não discriminatório a outras estruturas do setor (ou seja, gasodutos de escoamento, unidades de processamento, terminais GNL e seus gasodutos integrantes).

Essa alteração também busca minar a reserva de mercado pelos detentores dessas infraestruturas.

(v)  Do prisma do regime jurídico, o transporte de gás será, de acordo com o novel marco regulatório, caso venha a ser convertido em lei, feito por meio de autorização, conferida pela ANP. Trata-se de modificação substancial da Lei nº 11.909/09, que ordena sejam os gasodutos submetidos a contrato de concessão. 

Deve-se lembrar que, diante do custo enorme da construção de gasodutos, o atual marco regulatório praticamente congelou a estrutura existente em 2009.  

Ainda de acordo com o PL, as autorizações terão vigência por prazo indeterminado. Poderão serão revogadas, porém, é certo, a pedido da empresa, ou em hipóteses excepcionais, como falência ou descumprimento grave de obrigações contraídas. Também haverá revogação da autorização se o gasoduto for desativado.

(vi) Outra novidade é que o novo marco regulatório elide a necessidade de licitação para o transporte e introduz chamamento público para diversos serviços, tais como transporte, importação, exportação, estocagem subterrânea, acondicionamento, escoamento, tratamento, liquefação, regaseificação e atividades de construção, ampliação de capacidade e operação de unidades de processamento ou tratamento de gás natural.  Em atenção ao princípio da impessoalidade e da igualdade, haverá processo seletivo para a expedição da autorização, se houver mais de um interessado.

(vii) Em conformidade com a proposição, a agência é dotada de competências e instrumentos para estimular a eficiência e a competitividade, bem como para atacar a concentração na oferta. Para esse fim, pode haver, v.g., a cessão compulsória de capacidade de transporte, de escoamento da produção e programa de venda compulsória de gás.

(viii) O novel regime jurídico promove, outrossim, medidas de desverticalização do mercado. Com a finalidade de coibir o self dealing e preservar a concorrência no setor, o PL do Gás proíbe o transportador de gás natural de praticar diretamente atividades concorrenciais do setor (comercialização, produção, liquefação e importação) ou de manter participação societária direta ou indireta em sociedades dedicadas a essas atividades.

11- Apesar de todos esses pontos positivos, há questões no projeto que ainda poderiam ser objeto de melhorias legislativas, ou contar com o apoio de políticas públicas paralelas.

 

Pontos Negativos

12- O desenvolvimento do mercado do gás pressupõe, de fato, não só a alteração do atual marco regulatório, mas o aporte de investimentos pesados nos gasodutos de alto custo. O governo federal deveria investir mais de 40 bilhões de reais no setor para ampliar esse tipo de infraestrutura.

13- Por fim, o governo federal ainda não apresentou alternativas para que o modal ferroviário seja utilizado para distribuir os botijões.

14- Por todo o exposto, o parecer é no sentido da constitucionalidade e conveniência da proposição sobre o novo marco regulatório do gás para o setor produtivo.

 

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Alexandre Vitorino Silva é advogado da CNI

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