Debêntures de infraestrutura: investimentos necessários
por Alexandre Vitorino Silva
EDIÇÃO 11 - JULHO 2020
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
I- Objeto
1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei nº 2.646/2020 (PL), que permite que as concessionárias, permissionárias, autorizatárias e arrendatárias emitir debêntures de infraestrutura e destinar os recursos captados especificamente à implementação de projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
1.1. O PL também promove alterações pontuais ao marco legal das debêntures incentivadas e dos Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE), Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I) e Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra).
II- Análise
II.a) Análise formal
2- Compete à União disciplinar normas gerais sobre contrato administrativo (art. 22, XXVII, da CRFB), bem como criar novos títulos de crédito (art. 22, I, da CRFB), tendo em vista a sua competência para legislar, privativamente, sobre direito comercial.
3- Não há reserva de iniciativa em relação às matérias tratadas na proposição, de modo que esta atende ao devido processo legislativo disciplinado constitucionalmente e foi elaborada sem máculas aparentes de natureza formal.
II.b) Análise material
4- No mérito, o PL é compatível com a Constituição da República, serve aos propósitos de expansão da infraestrutura nacional segundo o princípio do desenvolvimento sustentável, bem como se mostra amplamente favorável ao crescimento da economia nacional e ao atendimento de necessidades coletivas essenciais.
5- Uma pesquisa preliminar aos trabalhos legislativos preparatórios revela que a proposição ora em análise constitui resultado direto de trabalho gestado no âmbito da Comissão da Lei Geral das PPPs, presidida pelo Deputado João Maia.
5.1. A atividade da comissão, que contou com a participação de diversos segmentos da sociedade civil e do governo federal, traz à tona medida legislativa que, circunstancialmente, dá uma resposta imediata à necessidade de fomentar investimentos capazes de combater a crise causada pela COVID-19, mas que, mediatamente, também atende a um objetivo de médio prazo de desenvolvimento de ferramentas incentivadoras da melhoria da infraestrutura nacional.
5.2. A Comissão teve, em especial, a oportunidade e o cuidado de ouvir o setor de infraestrutura, bem como juristas, gestores públicos, investidores, membros do setor produtivo e economistas para, diante da crise econômica deflagrada com a disseminação da pandemia de COVID-19, elaborar medida capaz de alavancar o investimento em infraestrutura econômica e social.
5.3. No caso da infraestrutura social, a preocupação do legislador esteve voltada especialmente para a implementação de estruturas hospitalares adequadas, tão escassas, presentemente, diante da intensidade da propagação do agente etiológico da COVID-19. Como se sabe, um dos principais problemas causados pela pandemia é justamente a incapacidade do sistema de saúde de dar vazão à imensa demanda por atendimentos especializados, que reclamam, em 10% dos casos, a internação em UTIs com o uso de ventiladores próprios, medicações e de equipamentos capazes de estabilizar e fazer frente à denominada síndrome respiratória aguda.
6- A iniciativa legislativa, no entanto, vai além do problema posto pela pandemia e representa uma resposta à demanda permanente do setor produtivo nacional por instrumentos mais seguros, ágeis e menos custosos de investimento em infraestrutura econômica. Daí que, por disposição expressa da proposição, passam a ser tratados como investimentos em infraestrutura (e a gozar de tratamento fiscal favorecido) os investimentos em: a) iluminação pública; b) eficiência energética; c) resíduos sólidos; d) presídios; e) unidades socioeducativas; f) unidades educacionais; g) unidades de saúde; h) petróleo e gás natural; i) telecomunicações; j) unidades de conservação ambiental; l) habitação; m) mobilidade urbana e logística; n) infraestrutura hídrica; o) revitalização de bacias hidrográficas.
7- Nesse cenário, o PL, dotado de triplo objetivo, visa, resumidamente: (i) à criação de uma nova modalidade de títulos da dívida, as debêntures de infraestrutura; (ii) à promoção de alterações no marco legal das debêntures incentivadas; (iii) à eliminação de barreiras para a operação de fundos de investimento em infraestrutura, a saber, os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE), os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), bem como os Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra).
Cabe analisá-los, um por um.
8- Quanto às debêntures de infraestrutura, o PL tem o propósito de incentivar a maior participação dos investidores pessoas jurídicas, nomeadamente os investidores institucionais em projetos de infraestrutura.
8.1. Como forma de atrair os investimentos, o projeto de lei permite a realização de vantajoso planejamento fiscal para os emissores das debêntures, criando, assim, uma sanção de natureza premial.
8.2. De acordo a justificação acostada à proposição, as pessoas jurídicas emissoras de debêntures de infraestrutura, a saber, sociedades de propósito específico, concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias, poderão deduzir do lucro, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, “o montante equivalente a 30% do valor dos juros pagos no exercício, sem prejuízo da dedução dos juros pagos ou incorridos na forma da legislação em vigor. A exclusão será majorada para 50% caso a debênture vise financiar projetos de desenvolvimento sustentável (os chamados greenbonds)”.
8.3. Os incentivos fiscais, como se vê, são consideráveis, especialmente se a infraestrutura tiver preocupações com a preservação ambiental.
8.4. Como se percebe, as debêntures, nesse contexto, poderão “fomentar o investimento de agentes de mercado que internacionalmente detêm forte atuação no setor de infraestrutura, sem, contudo, conceder um duplo benefício tributário a tais investidores, evitando, assim, uma renúncia fiscal excessiva e pouco transparente”.
8.5. Se, de um lado, a proposição pretende conferir tratamento fiscal benéfico e incentivar os investimentos em infraestrutura, de outro, disciplina normas anti-elisivas para que sejam evitados planejamentos tributários agressivos.
8.6. Mantém-se, de qualquer sorte, um nível mínimo de segurança jurídica para os contribuintes, que, de qualquer modo, poderão se valer de consultas de fato dirigidas à Receita Federal do Brasil.
8.7. O projeto autoriza, a par disso, que as debêntures de infraestrutura possam concorrer para a composição dos fundos de investimento previstos no art. 3º da Lei nº 12.431, de 2011.
9- A seu turno, no tocante à alteração das debêntures incentivadas, o PL as caracteriza como um importante instrumento de democratização no acesso ao mercado de capitais. Daí a razão pela qual propõe a expansão de seu alcance, bem como medidas para contornar o esgotamento da capacidade de angariar recursos presentes no ordenamento vigente.
9.1. Resumidamente, o projeto disciplina a ampliação do prazo para demonstração dos gastos, despesas ou dívidas passíveis de reembolso a partir da sua oferta pública.
9.2. O vigente prazo de 24 (vinte e quatro) meses vem sendo considerado por demais exíguo quando comparado aos prazos dos empreendimentos de infraestrutura, fato que projeta a diminuição das possibilidades de reembolso e majora os riscos de retorno.
9.3. O resultado desses incentivos inadequados por ora vigentes repercute no mercado pela disponibilização de juros menos recompensadores (taxas menores de retorno).
9.4. Assim, como bem pondera a justificação, “a ampliação escalonada em até 60 meses para o reembolso visa a garantir que novas “debêntures incentivadas” sejam, de fato, dirigidas a novos investimentos no setor de infraestrutura e não apenas incentivar o direcionamento de recursos obtidos com as emissões para gastos passados”.
10- Finalmente, quanto aos Fundos de Investimento em Participação em Infraestrutura e Fundos de Investimento de em Infraestrutura, o PL sistematiza tais investimentos, supre lacunas legais e pretende dar níveis maiores de segurança jurídica aos investidores.
10.1. As principais alterações propostas podem ser assim enumeradas: (i) a ampliação e uniformização do rol de áreas de infraestrutura, que passam a abarcar as áreas de iluminação pública, eficiência energética, resíduos sólidos, petróleo e gás natural, telecomunicações, unidades de conservação ambiental (como parques concedidos), habitação e a área propriamente de “infraestrutura social” como presídios, unidades socioeducativas, unidades educacionais e unidades de saúde; (ii) positivação da possibilidade de investimento em projetos relicitados; (iii) ampliação do prazo de integralização de cotas e para o enquadramento dos fundos; (iv) revogação dos parâmetros de participação mínima, de concentração máxima de cotista e de rendimentos auferidos e (v) alteração do valor de referência, de modo a criar melhores condições para Fundo Incentivado de Infraestrutura (FI-Infra) possa ter a flexibilidade necessária para manter o seu enquadramento no caso de aumento ou diminuição de seu patrimônio líquido.
III - Conclusão
11- Por todo o exposto, o parecer é no sentido da inexistência de óbices jurídicos constitucionais, formais ou materiais, à aprovação da proposição.
11.1. Do prisma material, o PL é, ainda, conveniente para o setor produtivo, de modo que merece os esforços da CNI para que venha a ser convertido em lei.
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Alexandre Vitorino Silva é advogado da CNI