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Nova forma de execução da compensação ambiental: benefícios para a natureza, a sociedade e o empreendedor

por Marcos Abreu Torres

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EDIÇÃO 1 - DEZEMBRO 2017

Relatório

 

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Trata-se de análise da Medida Provisória (MP) nº 809/17, publicada em 4/12/17, alterando as Leis nº 11.516/07, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e 7.957/89, que trata da tabela de pessoal do Ibama.

Em resumo, a MP autoriza o ICMBio e os demais órgãos executores do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) a selecionar instituição financeira oficial, dispensada a licitação, para criar e administrar fundo privado a ser integralizado com recursos oriundos da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/00.

A instituição financeira oficial será responsável pela execução, direta ou indireta, e pela gestão centralizada dos recursos de compensação ambiental destinados às unidades de conservação. Fica, ainda, autorizada a promover as desapropriações dos imóveis privados indicados pelo ICMBio que estejam inseridos na unidade de conservação destinatária dos recursos de compensação ambiental.

 

Um dos dispositivos da MP diz que o depósito integral do valor fixado pelo órgão licenciador desonera o empreendedor das obrigações relacionadas à compensação ambiental.

A MP dispõe, ainda, que os valores devidos a título de compensação ambiental serão atualizados pelo índice do IPCA-E.

Por fim, autoriza os órgãos ambientais federais a contratar pessoal por tempo determinado para atender os seguintes casos: (i) combate a incêndios florestais; (ii) controle de fontes poluidoras imprevistas; (iii) apoio em ações de conservação, manejo e pesquisa de espécies ameaçadas; (iv) uso sustentável, proteção e apoio operacional à gestão das unidades de conservação; (v) demarcação e consolidação territorial de unidades de conservação; e (vi) ações de uso sustentável, monitoramento, manejo e pesquisa de espécies nativas de interesse econômico.

 

Opinião

A MP merece o apoio da CNI, pois soluciona um problema de gestão dos recursos oriundos da compensação ambiental, agravado após interpretação do Tribunal de Contas da União (TCU) de que a sua execução deve ser realizada diretamente pelo empreendedor.

 

a) Histórico da decisão do TCU

No fim de abril de 2016, o TCU, por intermédio do Acórdão 1.004/2016-Plenário, negou provimento ao recurso do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio, confirmando o Acórdão nº 1.853/13-Plenário, que discutia as modalidades de execução dos recursos arrecadados à título de compensação ambiental.

A CNI atou no recurso como amicus curiae, reforçando os argumentos pela reforma do Acórdão recorrido. Entretanto, o recurso foi desprovido e o Tribunal de Contas recomendou que o ICMBio se abstivesse de autorizar a execução pela via da modalidade indireta, ou seja, o próprio empreendedor seria obrigado a pagar e executar a compensação ambiental em ações de proteção às unidades de conservação.

Antes do Acórdão 1.004/2016-Plenário, a obrigação da compensação ambiental podia ser cumprida, à escolha do empreendedor, pelas vias direta ou indireta. No primeiro caso, o próprio empreendedor aplicava a quantia destinada, calculada pelo órgão ambiental licenciador, nas ações previstas no art. 34 do Decreto nº 4.340/02, a exemplo da regularização fundiária de unidades de conservação e da elaboração e implantação dos seus respectivos planos de manejo.

No segundo caso, o empreendedor depositava a quantia destinada em uma conta aberta na Caixa Econômica Federal, administrada e executada pelo órgão gestor das unidades beneficiadas.

Com a confirmação da decisão pelo TCU, a modalidade indireta passou a ser vedada, restando ao empreendedor executar, com meios próprios, a obrigação relativa à compensação ambiental. A decisão desagradava a todos os interessados, desde os empreendedores aos órgãos ambientais envolvidos, além de não ser benéfica às próprias unidades de conservação.

A compensação foi criada pela Resolução Conama nº 10/87, e consistia na obrigação de o empreendedor implantar uma estação ecológica junto à área do empreendimento, para reparar os danos ambientais causados. O contorno normativo do instituto evoluiu quando da discussão do projeto de lei que culminou na aprovação da Lei nº 9.985/00, passando a obrigação do empreendedor a ser "apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação".

Antes, a obrigação era "implantar", isto é, executar diretamente; a obrigação sofreu modificações semânticas, passando a consistir no "apoio à implantação e manutenção", isto é, executar indiretamente. Tal evolução normativa foi ignorada pelo TCU, que desconsiderou a vontade do legislador.

Não é preciso esforço para notar que a inserção do verbo apoiar foi proposital, a fim de deixar claro que a função do empreendedor, no que tange à criação e manutenção das unidades, é secundária à função do órgão competente, dando-lhe apoio financeiro para tal mister. A partir de 2000, com a criação do Snuc, o Poder Público é obrigado a proporcionar meios e recursos para a recuperação e proteção de ecossistemas. A compensação ambiental passa, portanto, a ser a principal fonte de custeio para o funcionamento do Sistema.

O entendimento de que a compensação ambiental pode ser executada na modalidade indireta foi reconhecido pelo STF, quando do julgamento da ADI 3.378, proposta pela CNI: "O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza".

Limitar a compensação à modalidade direta esvaziava as competências do ICMBio, autarquia federal criada em 2007 com a função precípua de implementar o Snuc e subsidiar as propostas de implantação e manutenção das unidades de conservação federais (art. 6º, III, da Lei nº 9.985/2000).

A decisão confirmada pelo TCU também gerava prejuízos aos empreendedores, obrigados, a partir de então, a aplicar os recursos da compensação ambiental na ponta, ou seja, a executar ações para implantação e manutenção das unidades de conservação, em especial a regularização fundiária e a elaboração de planos de manejo, às vezes em unidades milhares de quilômetros distantes do empreendimento. Ao desviar suas funções para a execução direta dessas ações, o empreendedor se via obrigado a arcar com custos extras não dedutíveis, como contratação de especialistas, deslocamentos de equipe etc., além de outros custos dos quais o poder público goza de isenção, como os tributos e os emolumentos.

Esses gastos extras podiam somar de 35% a 50% a mais do investimento definido para a compensação, além das despesas com a manutenção de passivo judicial e custeio de funcionários deslocados para desempenho das atividades, superando, na prática, o real valor fixado pelo órgão ambiental licenciador.

Além dos custos extras, a decisão do TCU era prejudicial às próprias unidades de conservação. Como o empreendedor não possui expertise na execução das ações previstas no art. 34 do Decreto nº 4.340/02 (não faz parte da rotina de uma empresa fazer regularização fundiária nem plano de manejo), tal execução se tornava menos eficiente, mais cara e morosa.

Menos áreas eram regularizadas – já que a especulação aumenta o preço da terra para o particular, enquanto o Poder Público goza da prerrogativa do processo desapropriatório -, menos bens necessários à manutenção das unidades eram adquiridos – já que no varejo os preços são mais altos, enquanto o poder público dispõe das licitações para obter a melhor técnica com o menor preço.

Em suma, os maiores prejudicados, ao final, eram as unidades de conservação e a sociedade.

 

b) A MP melhora a situação

Com a edição da MP, a obrigação para execução dos recursos oriundos da compensação ambiental deixa de ser do empreendedor, como entendeu o TCU, e passa a ser da instituição financeira oficial escolhida pelo órgão competente do Snuc.

Um dos fundamentos utilizados pelo TCU para imputar a obrigação ao empreendedor era justamente a ausência de lei ou decreto que previsse a possibilidade de se alocar esses recursos em contas de instituições financeiras. A MP corrige essa suposta lacuna vislumbrada pelo Tribunal de Contas.

A obrigação do empreendedor volta a ser, tão e somente, prover o montante calculado pelo órgão licenciador a título de compensação ambiental para os fins previstos no art. 34 do Decreto 4.340/02. Essa era a orientação defendida pela CNI e pelo Ministério do Meio Ambiente no recurso julgado pelo TCU.

Quantos aos requisitos constitucionais de relevância e urgência, o primeiro é indiscutível, tendo em vista que a saúde das unidades de conservação depende diretamente dos recursos da compensação ambiental. Quanto ao segundo requisito, desde a decisão do TCU em 2016, o Snuc ficou órfão de recursos, pois a execução direta pelo empreendedor encontra maiores problemas operacionais do que quando era realizada na forma anterior.

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Marcos Abreu Torres é advogado da CNI

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